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terça-feira, 26 de outubro de 2010
26 de outubro de 2010 | N° 16500
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
Depois do amor
Acordo em meio à madrugada e há um som que me chega do coração das trevas. Não tardo a descobrir que é um angustiado, ansioso canto de sabiá.
Tento dormir outra vez, mas sua litania me impede. Sua opressão é tão audível, que se comunica à solidão da noite, aos astros, ao universo.
Sei que agora é primavera e que os pássaros repovoam o mundo. Sei também que vivo entre grandes jardins, o dos Chaves Barcellos, o do Solar dos Câmara, o da Praça da Matriz. Sei que, mesmo entre as árvores que pontuam a Rua Duque e a Rua João Manoel, há moradas de aves habitadas.
O que não entendo é a ânsia e a angústia do solo deste sabiá. Sempre pensei que a alada espécie despertasse cedo para saudar o dia. Sempre pensei que sua melodia fosse uma exaltação à luz.
Agora sei que não. Se nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá, aqui por perto não há nenhuma. Há jacarandás, por estes dias vestidos de lilás, há flamboyants ainda à espera de sua rubra floração, há outras espécies menos votadas, aguardando o seu pontual esplendor.
E há esse sabiá solitário, que não saúda o dia que virá, que não exalta a luz em que imergiremos todos, mas que se limita a participar a seu ninho que está atento e vigilante.
É essa a sua missão: a de transmitir à jovem fêmea e aos filhotes a mensagem de que nenhum perigo lhes sobrevirá.
É por isso que entoa esse cantar aflito, agoniado, em direção ao ninho. É por essa razão que compõe uma sinfonia marcada por uma cadência atormentada.
Mas isso durará pouco.
Isso se estenderá pelo espaço de uma primavera.
Logo virá dezembro e as noites repousarão em lenta calmaria.
Logo virá o verão, e terá cessado o cantar angustiado e ansioso do sabiá, e todas as noites serão calmas e silentes, como o corpo de uma mulher depois do amor.
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