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terça-feira, 12 de outubro de 2010
12 de outubro de 2010 | N° 16486
MOACYR SCLIAR
O sonho do Peter Pan
No ano que vem, completa um século um personagem que até hoje nos encanta: Peter Pan, de James Matthew Barrie, o menino que não queria crescer. Não era exatamente uma ideia nova; na mitologia antiga, existia o puer aeternus, o eterno menino, de que fala Ovídio em Metamorfoses (aliás, o “Pan” de Peter Pan alude ao deus de mesmo nome). Pergunta: por que nos fascinam tanto o mito, o personagem? Porque mobilizam nossas fantasias, claro.
Na infância, tudo o que queremos é crescer, é ter mais idade, mais altura; tornamo-nos adultos, chegamos à maturidade, à velhice, e aí começamos, como o poeta Casimiro de Abreu, a evocar nostalgicamente a infância: “Ai que saudades eu tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais…”.
Alguns chegam até a desenvolver a chamada síndrome de Peter Pan, termo de psicologia pop designando o adulto que não quer crescer, que insiste em permanecer infantil. Mas o tempo é inexorável; a mítica Fonte da Juventude, tão ansiosamente buscada (sobretudo na Flórida, onde séculos depois surgiria, e não por acaso, Disneyworld), não existe; o botox e o silicone são dela apenas substitutos.
Será que isso é tão ruim assim? Certo, Peter Pan não envelhece, não fica careca, não tem reumatismo, não precisa tomar remédios para baixar o colesterol; mas também não namora, não pode pensar em casar.
Na história de Barrie, há uma menina chamada Wendy, e ela é fã do garoto; mas por quanto tempo? Wendy vai crescer, vai se transformar numa mulher. E o que poderá então Peter Pan lhe oferecer? Voar? É interessante, mas certamente Wendy preferirá um avião, mesmo em classe econômica: pelo menos voará sentada, ao abrigo das intempéries e juntará milhagem.
Por outro lado, nada impede que preservemos, dentro de nós, a criança que um dia fomos, em termos de imaginação, de criatividade, de disposição para experimentar coisas novas. É algo que os escritores fazem sistematicamente, mas que pode ser incorporado a qualquer profissão, a qualquer atividade: transformar o nosso ganha-pão, a rotina diária, numa coisa lúdica, divertida, é mais que um sonho, é um desafio.
Contudo, mesmo que em nosso trabalho sejamos absolutamente quadrados e convencionais, não nos faltarão oportunidades de reencontro com a infância. Isso acontecerá quando nos tornarmos pais, ou avós. Brincar com nossos filhos e netos, contar-lhes histórias (a de Peter Pan, inclusive), é voltar à nossa infância.
Em algum lugar, Peter Pan deve estar celebrando o Dia da Criança. Não sem certa melancolia. Bem que ele gostaria de se tornar um adulto, para um dia poder contar a seus filhos e netos uma encantadora história infantil, bolada por um genial escritor. A história de um menino que não queria crescer e que se chamava Peter Pan.
Escritores (vide Vargas Llosa) já têm a fórmula para ganhar o Nobel: é só receber convite do Fronteiras do Pensamento.
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