terça-feira, 5 de outubro de 2010



05 de outubro de 2010 | N° 16479
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um novo lar

Porto Alegre já foi uma cidade de imigrantes – e não falo de tempos imemoriais, mas de minha própria infância e adolescência. No Colégio das Dores, onde cursei o primário, tive um colega chamado Dmitri, se não erro, romeno, um Daniel, uruguaio, e um Javier, madrilenho.

Já no ginásio e no clássico, no Anchieta, havia alguém que atendia, fleumaticamente, por David Hastings, um Gustav Toniatti, que era austríaco, um Giacomo Liberatore, creio que romano, um Pierre, alsaciano, mais uma variedade de embaixadores de distantes latitudes, aí incluídas faces nórdicas.

Essa pacífica invasão transcendia em muito as vizinhanças do giz e do quadro-negro. Uma de minhas primeiras namoradas era de família judaica. Quando me mudei para a Rua João Manoel, um casal de ingleses era meu vizinho de andar.

Na ladeira que leva à Rua da Praia, se instalara um sapateiro de Turim. A Padaria Lusitana, na Rua Bento Martins, era condomínio de um trio de portugueses. O barbeiro defronte era italiano. Havia vendedores de quadros holandeses.

E uma vez que precisamos em casa de um trabalho urgente de marcenaria, surgiu-nos um jovem tímido, que, após dar conta do recado, revelou-nos que fugira da Alemanha Oriental – uma história comovente e trágica que nunca apaguei da memória.

Relembro tudo isso, e mais poderia evocar, porque acabei de ler na Veja que 22,1 mil vistos de trabalho para estrangeiros foram concedidos no Brasil no primeiro semestre deste ano, o que é mais do que o dobro dos 10,8 mil deferidos em igual período de 2006.

É claro que não se pode comparar esse número com os 4,7 milhões entrados até 1948, o que nos coloca atrás apenas dos EUA, Canadá e Argentina, e à frente da Austrália. Também não se pode cotejar com os 40,5 mil ingressados em 1960.

Mas os chegados agora têm uma característica especial: diversamente dos artesãos e camponeses, aportados em especial na virada do século 19 para o 20, mais de 1,7 milhão, os novos brasileiros de agora ou possuem formação universitária ou o ciclo médio completo. Para usar um termo de economês, detêm alto valor agregado. É claro que isso melhora tremendamente o cenário tecnológico brasileiro.

O mais importante, contudo, não é isso. O fundamental é que os recém-chegados encontrem aqui, mais do que uma nova pátria, um país que, apesar de seus dramas sociais, os acolha como o novo lar sempre buscado.

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