02
de outubro de 2013 | N° 17571
MARTHA
MEDEIROS
Nós e a cidade
Uma
casa e um smartphone: você precisa de mais alguma coisa? Hoje a gente se
enclausura e faz uma vida. O que fica do lado de fora da janela é apenas uma
cidade com ruas que levam a outras clausuras: a do escritório, a da academia, a
da igreja, a do shopping, a do estádio, a da casa de amigos e familiares. Durante
o trajeto, de um ponto a outro entre as clausuras, vamos reclamando do trânsito
e olhando para os lados com aflição, a fim de conferir se não há ninguém nos
seguindo, à espreita.
A
cidade em que vivemos deveria despertar o mesmo sentido de lar que nossa casa
desperta. Também é uma referência emocional, e o natural seria que circulássemos
por ela com desenvoltura, alegria, entusiasmo – valorizando os passeios e nos
sentindo acolhidos. Uma cidade é um espaço de integração e dinamismo, um
elemento vivo.
Ela deve ser boa para nós, deve nos reservar um futuro. Uma
cidade – a nossa cidade – deve nos convidar para fazer parte dela com
profundidade, como um chamado amoroso. Mas para amá-la precisamos confiar nela,
admirá-la e considerá-la protetora.
Que
condição de cidadania pode haver em transitar apressadamente entre clausuras,
em não desfrutarmos do acolhimento que uma cidade, qualquer cidade, deveria
oferecer a quem nela vive?
Uma
amiga teve o carro roubado às 14h de um lindo dia de sol enquanto estacionava
aqui perto de casa. Minha cunhada resgatou o filho na escola enquanto acontecia
um tiroteio na praça em frente. Uma conhecida foi assaltada duas vezes no mesmo
mês e no mesmo quarteirão. Isso restrito à minha vizinhança, imagino que você também
colecione histórias sobre a sua.
Quem
já teve o privilégio de viajar para locais mais seguros não se conforma com a
indignidade de caminhar pela própria cidade desconfiando de quem cruza pela calçada.
Comerciantes atendem por trás de grades depois de certa hora – como se ainda
houvesse um horário mais perigoso do que outro. É ridículo se sentir ameaçado
pelo lugar onde se vive.
É por
isso que apoio os que lutam para atualizar nosso Código Penal. Prisão perpétua
para crimes hediondos, fim do regime de progressão (que o preso cumpra sua pena
integralmente) e redução da maioridade penal para 16 anos quando houver prática
de assassinato, estupro, sequestro, pedofilia, tráfico de drogas, de órgãos, de
armas. Chega do prende e solta.
Política
é a arte de se deixar seduzir pelo poder, mas que poder? Nossos engravatados
discursam pomposamente, cortam fitas de inauguração, vivem em reuniões, fazem
de conta que representam o povo, enquanto o povo continua negligenciado pela
retórica, pela burocracia, pela lerdeza, por leis obsoletas, por interesses
eleitoreiros e pelo DNA defeituoso deste país que, em vez de permitir que nos
encantemos por nossas cidades, faz apenas com que tenhamos medo delas.
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