02
de julho de 2013 | N° 17479
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
João, Caetano,
Vitor
João
Gilberto em entrevista de 1971, respondendo a pergunta acerca de uma eventual
identificação sua com Caetano Veloso: “Não sei bem. Eu vejo mais o Caetano como
um pensamento. Sabe, para mim, o Caetano é um pensamento. Acho que existe
alguma identidade, porque no fundo o Caetano em música procura o mesmo que eu”.
Fonte:
o essencial livro João Gilberto, organizado por Walter Garcia para a editora
Cosac Naify, contendo todas as entrevistas dadas pelo gênio-zen da bossa nova,
mais uns depoimentos e ensaios sobre o papel dele nessa história toda.
O
que é que João e Caetano procuram, desde tanto tempo? Os dois querem ao mesmo
tempo o passado e o futuro, a aldeia e o universo, o jeitão local e a dicção
cosmopolita; estendem uma mão para alcançar a tradição e a outra para
acompanhar o tempo que vem vindo; entenderam que caminhar para diante depende
de saber de onde é que as coisas vieram. Por isso é que há um pensamento atrás
de tudo, uma consciência que se faz voz.
Vitor
Ramil, em e-mail desses tempos: “Ao convidar Caetano para cantar (a Milonga de
Los Morenos, no CD délibáb) comigo, eu estava seguro de que sua voz, por tudo
que representa, iluminaria a ponte que ela estabelece entre as milongas de
Jorge Luis Borges e as de João da Cunha Vargas, uma ponte que se estende entre
a musicalidade brasileira e a sul-americana”.
A
fonte: o imperdível songbook Vitor Ramil, lançado semana passada (junto com o
CD duplo Foi no Mês que Vem), pela editora Belas-Letras. O livro conta com as
minuciosas partituras de 62 canções, de todos os discos que já gravou, além de
trazer uma excelente reportagem biográfica por Juarez Fonseca, um criativo
ensaio de Celso Loureiro Chaves e um texto deste vosso criado aqui.
Caetano
não apenas canta essa milonga: ele funciona como uma referência, um pensamento
(que canta), um marco na paisagem para Vitor. Tendo tomado a lição de João
Gilberto, Caetano continuou e segue em frente; Vitor, que cresceu ouvindo os
dois (e o tango, e tanta coisa mais), entendeu o recado, repensou o já pensado
e, com talento e teimosia, chegou lá, no lugar em que a melhor arte brasileira
olha para as coisas e de onde retorna para nos dizer como é que é, como é que
fica.
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