sábado, 6 de julho de 2013

Fé S.A.


06 de julho de 2013 | N° 17483
NILSON SOUZA

Fé S.A.

Deu no jornal – de Brasília, mas não sejamos preconceituosos com a nossa bela Capital. Podia ter sido em qualquer cidade do país. Num anúncio classificado assinado por um certo Francisco, que certamente não é o argentino, foi publicada a seguinte mensagem: “Procuro 2 pessoas p/juntos abrirmos uma Igreja”. Acompanhava um número de celular para contato. Um repórter curioso (redundância, eu sei, mas vamos lá) ligou e ouviu do homem do outro lado uma explicação direta: “Meu propósito é espiritual e financeiro.

Sou bastante objetivo nos meus negócios”. Mais do que objetivo, caradura mesmo. Francisco explicou que a ideia é fundar uma igreja para ganhar muito dinheiro com ela. Lembrou que basta investir numa sala com algumas cadeiras de plástico, de preferência numa área bem pobre. E revelou sua estratégia: “Precisamos de alguém com noção de hipnose. A pessoa vai ficar hipnotizada, vai te dar 10% hoje. Amanhã dá mais 10% e conta o milagre para os outros”.

A fé é uma certeza. Um homem hipnotizado não tem dúvidas: faz o que lhe pedem ou ordenam. Talvez esteja aí, nesta simplória declaração de vigarice, a explicação para o fato de tanta gente se deixar enganar por charlatães. Alguns especialistas dizem que uma pessoa só pode ser hipnotizada se permitir. Quem ouve atentamente alguma pregação, religiosa, política ou de qualquer outra natureza, está predisposto a aceitar o discurso como verdadeiro. Ou a obter vantagens, que podem variar da aceitação social à vida eterna.

Na verdade, a hipnose é um estado de grande atenção em que o cérebro foca em alguma coisa e se desliga do resto. Li outro dia que todos nós passamos por momentos de auto-hipnose sem perceber. Um exemplo: quando nos dirigimos para algum lugar e, ao chegarmos, nem lembramos qual foi o caminho percorrido. Naquele momento de distração, nossa mente estava focada no objetivo, não no trajeto.

A hipnose chegou a ser utilizada por Freud e tem reconhecimento científico até mesmo como método medicinal. Outro dia fiquei sabendo que dentistas especializados na arte de mesmerizar receberam autorização do Conselho da categoria para utilizá-la como complemento da anestesia. Nessa não caio. Mesmo que fosse sugestionável a esse ponto, tenho certeza de que aquele barulhinho da broca me arrancaria de qualquer transe.


Pois, assim como a hipnose, a fé também tem o seu lado positivo. Não se pode ignorar que as igrejas sérias oferecem às pessoas paz de espírito, autoestima e, em muitos casos, um rumo para a vida. Porém, se encontrar alguma comandada pela santíssima trindade da esperteza – o anunciante, o investidor e o hipnotizador –, fuja dela e deles. Só querem os seus 10%.

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