07
de julho de 2013 | N° 17484
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Falar-lhe-ei a teu
respeito
Eu tossia com violência, mal à beça, com asma de
fechar a garganta e o nariz. Era alta madrugada. Puxava o ar como se fosse um
carrinho com controle. Algo separado de mim. Um vento estranho que exigisse o
alcance visual.
Sofria
a chegada do inverno. Seria mais uma passagem tumultuada pela emergência do
hospital Moinhos de Vento. Estragaria o dia seguinte de trabalho. Já estava
desanimado prevendo as consequências de arrasto e das poucas horas de sono.
Foi
quando a banalidade me ofereceu seu milagre. Depois da nebulização, já
tranquila com a medicação, Juliana pegou com vontade a minha mão esquerda e
beijou meus olhos.
Beijou
os dois olhos em sequência. Beijou minhas pálpebras como se fossem lábios.
Umedeceu meus olhos com sua saliva.
Não
parava de acalmá-los com seu perfume. Sua boca caminhava de um lado para o
outro, como uma compressa de febre. E vi o quanto ela me desejava.
Quem
beija a boca está apaixonado. Mas quem beija os olhos de seu homem está amando
verdadeiramente.
Beijar
os olhos é ter medo de perder quem a gente quer, é ter medo da viuvez, da
solidão, do abandono, de nunca mais ser feliz.
Ninguém
beija os olhos à toa, por distração. Beijar os olhos é uma demonstração de
apego, de urgência, o equivalente a uma serenata na janela.
Não
é para qualquer um, é um gesto pensado, decidido, orquestrado pelos nervos e
solicitado por todo o sangue do corpo.
É o
auge da delicadeza. É quando a feição se abre em corredor do altar. É o cume da
sutileza, manifestação maior de confiança.
Beijar
os olhos de um homem é a mesóclise da vida a dois. A mesóclise é linda, mas
rara, deve ser usada em ocasiões muito especiais.
Uma
mulher somente beija os olhos de seu homem porque chorar não é mais suficiente.
E chora com a própria boca em outros olhos. Sua língua é uma lágrima
emprestada.
Trata-se
de um beijo que rouba o rosto inteiro. Um comprimir confuso, sincero,
impetuoso.
Talvez
seja uma confissão mais do que beijo. Talvez seja um voto de fidelidade. É o
instante em que ela aceita que o tempo não existe no amor, o que existe é a
palavra dada.
Beijar
os olhos de um homem é um pedido de casamento feito pela mulher. Não me curei
da asma, mas, desde aquela noite, meus olhos respiram muito melhor.
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