28
de fevereiro de 2013 | N° 17357
EDITORIAIS
ÁGUAS AGITADAS
Ao
se despedir dos católicos na Praça de São Pedro, na sua última aparição pública
como papa, Bento XVI voltou a sur- preender a todos os que o ouviam, não só por
explicar com clareza os motivos de sua renúncia mas também por se referir,
ainda que metaforicamente, aos pecados da Igreja que de certa forma contribuíram
para a sua retirada precoce. Ainda que a cada instante surja uma teoria nova
para justificar sua abdicação, parece inquestionável que o líder religioso já não
tem energia e saúde para desempenhar a contento as atribuições eclesiais e
administrativas que o cargo exige.
O
papa de 85 anos fala baixo, movimenta-se com dificuldade e contabiliza uma série
de moléstias debilitadoras, entre as quais a insuficiência cardíaca que o
obriga a usar um marca-passo.
Os
problemas da idade, apontados por ele mesmo como causa maior da sua decisão,
foram reafirmados ontem: “Nesses últimos meses, senti que as minhas forças
tinham diminuído e pedi a Deus com insistência, na oração, que me iluminasse
com a sua luz para me fazer tomar a decisão mais justa, não para o meu bem, mas
para o bem da Igreja”.
Mas
os problemas da Igreja parecem ser ainda mais graves, como se pode interpretar
pela referência que Bento XVI fez às dificuldades enfrentadas durante o seu
papado. “O Senhor nos deu muitos dias de sol e ligeira brisa, dias nos quais a
pesca foi abundante, mas também momentos nos quais as águas estiveram muito
agitadas e o vento contrário, como em toda a história da Igreja, e o Senhor
parecia dormir.”
Águas
agitadas! A metáfora remete inevitavelmente aos escândalos que a Igreja vem
enfrentando nos últimos anos, notadamente os casos de abuso sexual envolvendo
sacerdotes, a corrupção no banco do Vaticano, o vazamento de documentos
reservados da Santa Sé e a disputa fratricida pelo poder na cúpula da organização
religiosa.
Ao
lado desses episódios, alinham-se desafios que dividem os católicos e que
certamente exigirão muita energia e sabedoria do comandante supremo da Igreja. Provavelmente,
o sucessor de Bento XVI tenha que administrar polêmicas recorrentes, como o fim
do celibato obrigatório, o acesso de mulheres ao sacerdócio, o uso de
preservativo, a união entre homossexuais e as experiências médicas com células-tronco,
entre outros que contam com a oposição radical do Vaticano.
Embora
seja reconhecido como conservador e como defensor intransigente da doutrina católica,
Bento XVI deixa como legado final uma tênue abertura para a modernização da
Igreja. Suas referências claras ou simbólicas às turbulências enfrentadas,
assim como o relatório que encomendou sobre o vazamento de documentos confidenciais,
certamente servirão de subsídios para o sucessor que deverá ser escolhido no
conclave programado para os próximos dias.
Diante
de tais fatos, é de se esperar que a corajosa retirada do papa e sua opção pela
transparência propiciem ao Vaticano uma oportunidade para passar a limpo
hipocrisias históricas, para remover estruturas enferrujadas e para revitalizar
a religião preferencial de expressiva parcela da humanidade.