05
de junho de 2012 | N° 17091
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Coma!
Adoro
ficar bêbado em festa de criança.
Calma,
não é arruaça, desvio de personalidade, fantasia sádica. Não tomo nenhuma gota
de álcool. Nem precisa.
O
doce embriaga. Não há maior porre do que comer açúcar.
Brigadeiros
e branquinhos são um coquetel imbatível, provocam tonturas de carrossel.
Realmente
perco o equilíbrio e os dentes amolecem.
Os
amigos desconfiam, acham que não contei a verdade e que estou grogue ao
bebericar escondido. Como explicar que foi o papo de anjo?
A
glicose tira o chão dos pensamentos. Superior ao teor alcoólico do uísque,
acima das doses caubói de Jack Daniel’s.
Não
atino os pensamentos, o raciocínio desemboca impreciso.
Aniversário
de criança é uma farra. Não existe engradado de cerveja que provoque um estrago
igual. Diante do bolo temático, absinto é refrigerante.
Com 10
forminhas azuis amassadas no bolso, destilo sinceridades, compro briga com os
pais, questiono o método Piaget da escola.
Doces
mudam a correnteza do DNA. Entregarei hábitos secretos de parentes, esnobarei
primas, afundarei em bobagens.
Doces
retiram a serenidade. Respiraremos somente com a boca. Todos que saboreiam
guloseimas apresentam desvio de septo imaginário: prendem o ar, mascam o
suspiro.
Duvida
de mim? Repare nos meninos e meninas correndo de um lado para outro.
Os
pequenos também terminam embriagados dos confeitos. De onde extraem aquela
energia ruidosa, aquela gritaria de reformatório, se não das camadas em espiral
do leite condensado? Transformam o pátio em guerra de vogais. Pulam corda,
jogam futebol, não cansam nunca, não desistem de suar.
Minha
barba é feita de fios de ovos, os olhos são camafeus, e confundirei quindins
com vitórias-régias. Posso nadar no vento, posso atropelar garçons.
O
doce traz o mesmo efeito de uma bebedeira.
Destrato
convidados, passo a rir por qualquer frase para disfarçar o interesse pelo próximo
doce, e pelo próximo, e pelo próximo.
As
pernas cambaleiam depois de enfileirar bandejinhas sortidas. Os lábios
enegrecem com o batom negro do granulado, assim como o limão e o sal formam a
maquiagem da tequila.
Na
primeira mordida (quase escrevo “no primeiro gole”), pressinto que irei longe,
que não terei controle sobre o apetite, que apagarei no sofá com o cofrinho
aparecendo.
Como
sei que entrarei em coma açucarado? Vou gemer. Ao pecar, o alcoólatra geme, o
chocólatra geme.
Não
me convide para festa de seu filho. Sou o típico sujeito que rouba doce de
criança e não se arrepende.
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