sábado, 2 de junho de 2012



02 de junho de 2012 | N° 17088
NILSON SOUZA

Dona Rotina

As redações de jornal já foram muuuito mais agitadas e barulhentas do que são hoje, mas continuam imunes à mesmice. Tenho milhas de sobra nesta viagem pelo universo das notícias e ainda não vivi um dia igual ao outro.

Sou do tempo do matraquear das máquinas de escrever e das guerras de bolotas de papel (até uma de laranjas presenciei certa vez), testemunhei a expulsão do cigarro (a Ritalina das gerações passadas) e a chegada triunfante do computador, essa hipnótica janela aberta para o mundo e fechada para o nosso vizinho de mesa.

Tornamo-nos, por obra da telinha brilhante, trabalhadores silenciosos e sedentários: ninguém mais precisa levantar da cadeira para consultar uma enciclopédia, um dicionário ou mesmo uma coleção de jornais. Basta um ou dois cliques e a informação desejada aparece na nossa frente. O convite à inação é permanente, embora cérebros e dedos operem sem descanso.

Ainda assim, nunca vi Dona Rotina na portaria. Aparecem, isto sim, muitas figuras estranhas, desde divulgadores de festas fantasiados de animais até bandinhas serranas cantando o infalível Mérica Mérica.

Neste contexto, rainhas e princesas já nem chamam mais atenção. Visitas de escolares também são frequentes, os pequenos quase sempre contidos e silenciados por professoras que temem perturbar a nossa concentração. Sempre que passo por uma turminha dessas, gosto de provocar:

– Aqui é proibido ficar em silêncio, podem falar à vontade.

Mas estou perdendo o moral para a brincadeira, pois o nosso exemplo é péssimo. Viramos múmias, como diria a senadora aquela da CPI. Porém, uma novidade introduzida recentemente no nosso dia a dia começa a desafiar o torpor coletivo: a chamadinha da edição do dia seguinte para a televisão.

Pouco familiarizados com câmeras e microfones, introspectivos escribas têm sido desafiados à aventura multimídia por diligentes produtores e cinegrafistas, que os fazem repetir dezenas de vezes a mesma frase e o mesmo movimento, até resultar em algo palatável para o telespectador.

Como muitas destas gravações ocorrem na porta da minha sala de trabalho, acabo assistindo ao espetáculo completo, com as tentativas válidas e inválidas. Outro dia, depois da 18ª repetição, uma aplicada colega perguntou ao homem da câmera se nenhuma tinha ficado boa. Bem-humorado, o cinegrafista respondeu:

– Todas ficaram boas, mas vamos repetir mais uma para garantir.

Não pode mesmo haver rotina num ambiente desses.

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