quinta-feira, 5 de março de 2015


05 de março de 2015 | N° 18092
ARTIGOS - JAYME EDUARDO MACHADO*

O ROUBO EM LEGÍTIMA DEFESA,

O país transformou-se numa gigantesca delegacia de polícia, sua população num exército de investigadores, e os agentes de Estado, seus juízes, procuradores e delegados em alvos da suspeita generalizada. A crise não é ética, pois esta já fugiu contaminada por uma inescapável crise de identidade – quem sou eu, onde estou, para onde vou? –, a crise é de confiança, entenda-se, de desconfiança. É só abrir a geladeira e “...vupt! “ salta um corrupto.

Como os gabinetes, por definição, constituem lugares restritos e, de tempos para cá, todos suspeitos pela paranoia justificada, resta a pureza das ruas e estradas, que, conforme se anuncia e já se prenuncia, mais uma vez servirá de palco à indignação nacional. Nada mais justo e democrático, desde que os agentes da segurança adaptem ao seu nobre ofício aquela recomendação que se ouve ao fim dos anúncios de bebidas, “se dirigir, não beba!”. Então, “...se policiarem, não batam!”. O pessoal só quer dizer que não está de acordo com o que se passa na delegacia da nação.

Quem sabe essa movimentação meio séria, meio inconsequente, de bradar pela improbabilidade de um inoportuno “impeachment”, que se vingar dará ao povo um “guia” deste para pior, e se não vingar oficializará os batedores de carteira ideológicos, seja esquecida.

Nenhuma nação sobrevive sem a confiança no seu governo, e isso é tudo o que o nosso já conseguiu: inviabilizar-se.

Somada essa realidade à erosão do Poder Legislativo, comprovada no episódio do mensalão, resta o Judiciário como última instância guardiã de um certo conceito de ética que se perdeu. A teoria do domínio do fato, se custou a carreira do Joaquim Barbosa, valeu para mostrar que ladrão do erário público, por mais dissimulado que consiga ser, não pode alegar posição política e pureza ideológica como atenuante. Venceu a teoria jurídica voltada ao interesse público e não a dos indivíduos.

Agora, desnudada a lista de Janot, surgirão novas teorias e estratégias de ataque e defesa. Todos os listados sabem que a primeira batalha já perderam, pois que o primeiro princípio ético que funciona é não ser descoberto. Mas já que foram, diz-se estar para surgir uma novíssima tese de defesa dos listados: o roubo em legítima defesa do patrimônio nacional, ou seja, se não aceitassem a propina, como os responsáveis pela Petrobras iriam justificar o superfaturamento das obras e serviços. Esse Direito é mesmo dinâmico e criativo.


*Jornalista, ex-subprocurador-geral da República

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