04
de março de 2015 | N° 18091
DAVID
COIMBRA
Hoje fiquei velho
Existe
um dia na vida em que você acorda de manhã, olha-se no espelho e conclui:
– Hoje
fiquei velho.
Ou,
pelo menos, você deveria chegar a essa conclusão, porque os outros chegarão. Pois
uma pessoa, qualquer pessoa que viva, digamos, 80 anos, ela é nova, depois
madura e finalmente velha. Há um momento em que ela troca de condição. Que
momento é esse? Que dia é esse? É o que me fascina.
Está
certo: nós vivemos no gerúndio. As coisas estão sempre acontecendo. Só que, de
repente, elas acontecem. E aí o que parecia lerdo é rápido. É da noite para a
manhã.
Assim
na História dos povos. Pense nos chineses. Não faz muito, eles começaram a se
movimentar, lá na China distante. Tudo porque, no fim dos anos 70, Deng
Xiaoping declarou:
– Enriquecer
é glorioso.
Foi
uma das frases mais importantes já ditas. Essa pequena manifestação de credo
capitalista, proferida por um comunista ardoroso, mudou o mundo. A partir de
então, multidões de chineses começaram a se mexer, primeiro de forma imperceptível,
depois como ondas que abalaram o planeta, como fizeram os bárbaros nas
fronteiras de Roma, 16 séculos passados.
Tente
visualizar a mudança: mais de 400 milhões de chineses saíram do campo para as
cidades – duas vezes a população do Brasil. Nas cidades, os chineses passaram a
ganhar um pouco mais e, ganhando um pouco mais, passaram a comer mais. Comendo
mais, precisaram de mais alimentos. Precisando de mais alimentos, tiveram de
buscá-los onde são produzidos. O Brasil é um dos maiores produtores de
alimentos do mundo. Logo, o Brasil foi um dos países que mais ganharam com o
deslocamento dos chineses.
A
exportação de alimentos, além de outras matérias-primas, encheu os cofres dos
empresários e do governo brasileiro, fez o país crescer 10% na gestão de Lula e
ofereceu ao Brasil a oportunidade preciosa de sanar parte de seus males de 500
anos de idade. Estava tudo pronto para a grande transformação. Havia paz política
e pujança econômica. Com sabedoria, com parcimônia e, sobretudo, com trabalho
duro, o governo poderia dar partida às mudanças estruturais na educação básica
e fundamental, na segurança pública, na saúde, no sistema tributário, no pacto
federativo. Coisas importantes poderiam acontecer.
Não
aconteceram.
O
governo optou pelo caminho fácil do estabelecimento de programas, em vez de
estabelecer sistemas. O governo tinha um projeto de poder, não de administração
do país. Viu, na surpreendente prosperidade, a chance de encaixar funcionários
em pontos estratégicos, infiltrar-se nos estamentos da sociedade, como
universidades, igrejas, ONGs e associações civis, e, mais do que tudo, viu a
chance de constituir um método de sustentação no poder custeado pelas fontes de
recursos do Estado.
Agora,
com os chineses lentamente se acomodando no Oriente longínquo e o mundo mudando
outra vez, o que nos restou?
A
lista do petrolão.
Começou
com uma simples frase. As massas chinesas foram se movimentando, como
movimentaram-se os bárbaros há 1.600 anos. Poderia ter gerado uma longa Idade Média
e desaguado no fausto do Renascimento, poderia ter tornado o Estado brasileiro
um Estado funcional, com competente atendimento de serviços básicos a toda a
população. Mas não. Criou um monstro. Um escândalo público. Uma vergonha. Perdemos
tempo. Perdemos a nossa juventude. Nesta manhã, acordamos, nos olhamos no
espelho e concluímos:
– Hoje
o Brasil ficou velho.
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