Como Canoas facilita a vida de
empreendedores
A
prefeitura do município, na periferia de Porto Alegre, corta impostos para
alavancar os negócios
JOSÉ
FUCS, DE CANOAS (RS)
15/07/2014
07h00 - Atualizado em 15/07/2014 20h55
PRÓ-NEGÓCIOS
A arquiteta Luciana Galvão no Escritório do Empreendedor. Ele é uma espécie de
Poupatempo empresarial (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)
A
arquiteta Luciana Galvão no Escritório do Empreendedor. Ele é uma espécie de
Poupatempo empresarial (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA) - Boas práticas de governo -
negócios (Foto: reprodução)
A
arquiteta Luciana Galvani, de 29 anos, cuida pessoalmente da burocracia envolvida
em seus projetos. Além de acompanhar a aprovação das obras pela prefeitura, em
Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, Luciana corre atrás de licenças
ambientais e alvarás da vigilância sanitária para regularizar os projetos da
clientela, composta principalmente de lojas, clínicas e consultórios médicos.
Felizmente,
hoje, ela não precisa mais peregrinar por diversas repartições públicas
espalhadas pela cidade para fazer seu trabalho, como boa parte dos
empreendedores do país. Graças a uma iniciativa pioneira da prefeitura de
Canoas, Luciana pode obter toda a papelada de que precisa num único endereço – o Escritório do Empreendedor (EE). No dia 23
de maio, uma sexta-feira, ela teve de esperar 20 minutos no final da tarde para
ser atendida e agendar a vistoria da vigilância sanitária a uma clínica médica
que, segundo ela, costuma ser realizada em até 15 dias. “Com tudo centralizado,
fica muito mais fácil”, diz. “Quando você tem de fazer uma coisa aqui, outra
ali, perde muito tempo.”
Criado
em 2010, o EE funciona como uma espécie de Poupatempo empresarial. No total, há
cinco guichês diferentes de atendimento, um para cada secretaria envolvida com
a atividade das empresas no município – Fazenda, Desenvolvimento Econômico, Saúde,
Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Habitação. Apesar de ser um órgão
municipal, o EE realiza também a inscrição dos novos negócios na Receita
Federal pela internet e encaminha os documentos necessários à Junta Comercial,
em Porto Alegre. Por meio de uma parceria com o Sebrae, os empreendedores ainda
podem receber o apoio de um consultor para melhorar a gestão de seus negócios.
Segundo
o secretário de Desenvolvimento Econômico, Mário Cardoso, o EE permitiu uma
redução significativa no prazo de abertura de novos empreendimentos na cidade,
de até 90 dias para apenas cinco. “Agora o empreendedor não precisa mais ir de
um lado para o outro, como uma pipoca”, disse a ÉPOCA o prefeito Jairo Jorge,
reeleito com 70% dos votos em 2012. Jorge é considerado candidato potencial à sucessão
do governador Tarso Genro, do PT, ao governo do Estado.
Petista
histórico e ex-militante da Juventude Operária Católica (JOC), Jorge, de 51
anos, não deixou a ideologia contaminar sua gestão. Além de apoiar o
empreendedorismo, adotou uma política de estímulo aos negócios, que muitos
militantes do PT chamariam de “neoliberal”, ao cortar o Imposto sobre Serviços (ISS)
do município. Embora Canoas seja a quarta maior cidade gaúcha, com 330 mil
habitantes, e a segunda maior força econômica do Estado, logo depois de Porto
Alegre, ainda é, como ele mesmo diz, uma típica cidade de periferia. Cerca de 70%
das famílias têm renda abaixo de três salários mínimos, e Jorge sabe que, para
gerar empregos e melhorar a renda local, criar e instalar novas empresas é essencial.
Em 2009,
ao assumir o cargo, ele patrocinou um projeto de lei, aprovado pela Câmara
Municipal, que reduziu e unificou as alíquotas de ISS, de 3% a 5% sobre o
faturamento, para 2,75%. Só o setor financeiro não foi beneficiado pela medida.
“O empresário aqui é bem acolhido, não é tratado como criminoso”, diz Jorge. Ele
nega que empresas de Porto Alegre e outros municípios da região metropolitana,
onde a alíquota do ISS é de 5%, possam se instalar formalmente em Canoas, para
se beneficiar do imposto menor, mas concentrar suas atividades em outras
cidades – prática que vem sendo fiscalizada de forma crescente pelas
prefeituras de outras capitais. “Aqui não é paraíso fiscal. A empresa tem de
estar efetivamente aqui, porque tenho fiscalização.”
Desde
a adoção da lei, há cinco anos, a economia de Canoas deu um salto. A cidade
atraiu 6 mil novas empresas do setor de serviços, segundo Jorge, e permitiu a
criação de 16 mil novos empregos, o equivalente a quase 20% das vagas formais
oferecidas na cidade. Nesse período, a arrecadação do ISS mais que dobrou. Passou
de R$ 44 milhões, em 2008, para R$ 90 milhões, em 2014. A receita total, que inclui
outros tributos, passou de R$ 450 milhões para R$ 1,2 bilhão por ano.
Jorge
também implementou um novo plano de carreira para os professores municipais e
adotou a meritocracia para avaliá-los e definir a progressão na carreira. Ele
conseguiu o “milagre” de implementar a avaliação pelo mérito na educação sem
enfrentar greves, com a aprovação unânime do sindicato, graças, segundo ele, às
46 reuniões que fez nas escolas de educação fundamental e infantil para debater
a questão. Jorge também implementou um sistema de avaliação para o primeiro e
segundo escalões do governo, que já levou à saída de alguns secretários. “Temos
de quebrar paradigmas, ter um novo modelo”, afirma.
PEQUENAS
DEMANDAS O prefeito Jairo Jorge (de abrigo esportivo) atende um empresário da cidade. Ele anota todas as
demandas em seu notebook (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)
O
prefeito Jairo Jorge (de abrigo esportivo) atende um empresário da cidade. Ele
anota todas as demandas em seu notebook (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)
A
inovação parece ser quase uma obsessão para Jorge e impregna toda a administração.
Ela faz parte de um projeto estratégico desenvolvido no início de sua gestão,
com dez programas prioritários, que envolvem 50 projetos e a definição de metas
para cada secretaria e órgão municipal. Apesar de afirmar e reafirmar que não
trabalha sozinho e é um “homem de equipe”, é ele quem “bota pilha” na turma. Até
na área de segurança, um problema crônico no país, Jorge procurou inovar, com a
adoção de um sistema de monitoramento de áudio que permite detectar tiros na
cidade, a primeira fora dos Estados Unidos a usá-lo.
Quando
alguém dispara uma arma de fogo numa área monitorada, o sistema, implementado
em 2010, envia um alerta para a central em poucos segundos, e a radiopatrulha
vai até o local. Segundo Jorge, esse sistema, cuja margem de erro é de 5 metros , já permitiu à polícia
salvar a vida de cerca de 30 pessoas e a prender outras 20.
Desde
o primeiro mandato, Jorge procurou criar formas diretas de relacionamento e
comunicação com a população. Talvez a mais peculiar seja o projeto Prefeitura
na Rua, por meio do qual ele e um representante de cada secretaria atendem
diretamente os cidadãos todos os sábados.
O
grupo fica numa tenda montada em diferentes bairros da cidade, dos mais pobres
aos mais privilegiados. Em média, são atendidas cerca de 100 pessoas por sábado.
Jorge atende pessoalmente dez. Anota as demandas em seu notebook e tira uma cópia
de cada uma na impressora ao lado. Muitas vezes, encaminha o cidadão para falar
ali mesmo com o representante de uma secretaria, com um papel em que ele mesmo
pede providências para resolver o problema. “Chamo isso de dessacralização da
política”, diz. “Não é um lugar protegido. Estou no mar aberto. Todo mundo pode
ir lá.”
No último
dia 24, o empresário Laury Sartori Filho, de 42 anos, ficou cerca de 40 minutos
falando com Jorge, acompanhado de seu filho mais velho, Laury Neto, de 6 anos. Sartori
Filho é dono de uma fábrica de caixas de som profissionais e chegou às 6h30
para conseguir uma senha para falar com Jorge, no bairro Igara, de classe média.
Ele esperou cerca de cinco horas, mas não parecia incomodado. Sua empresa está instalada
num bairro em que o zoneamento mudou e não permite mais a instalação de indústrias.
Como
ele já tinha o alvará da prefeitura, não seria atingido pela medida. Só que, em
2010, mudou-se para outra rua no mesmo bairro. Desde então, não consegue
regularizar o imóvel. Segundo Sartori Filho, Jorge lhe disse que resolveria a
questão e passou dois números de celulares do secretário da área, para ele
ligar, caso o problema não fosse resolvido em uma semana. “Pode até não dar em
nada, mas deixa a gente com a esperança de que, depois de tanto tempo, poderei
finalmente regularizar minha empresa”, disse. ÉPOCA entrou em contato com
Sartori Filho e, de acordo com ele, a questão ainda não fora resolvida, como
prometera o prefeito.
No
início de 2012, a
prefeitura lançou um serviço pioneiro de agendamento de consultas médicas por
telefone, para acabar com as filas que costumam se formar nos postos públicos
de saúde. O serviço é prestado por uma empresa terceirizada, a AGH, numa instalação
cedida pela prefeitura. O software, desenvolvido pela própria AGH para o
governo gaúcho e cedido para Canoas gratuitamente, funciona em dias úteis das 7
às 19 horas. Ele permite também que os usuários cadastrados, que já somam 230
mil, tenham um prontuário único. Para evitar que o usuário fique esperando
atendimento no horário de pico, o sistema identifica automaticamente o número
da chamada e responde à ligação em seguida. Um dia antes da consulta, a
prefeitura envia uma mensagem para o celular do cidadão.
Pairam
dúvidas, porém, em relação à lisura do contrato feito com a AGH. Segundo o
procurador da República Pedro Antônio Roso, a escolha da empresa, que recebe R$
5 milhões por ano pelo serviço, foi feita sem licitação. A prefeitura alega que
houve dispensa de licitação por causa da necessária especialização do serviço
para operação e aperfeiçoamento do software, que gerencia a marcação de exames,
consultas e cirurgias. É uma justificativa que o procurador contesta, sob o
argumento de que outras empresas do ramo estão habilitadas a substituí-la.
Embora
o contrato vença em novembro, e a prefeitura já tenha anunciado a realização de
uma licitação para a contratação do serviço, Roso disse a ÉPOCA que prepara uma
ação civil de improbidade administrativa contra a prefeitura. “Vejo isso com
naturalidade. É papel do Ministério Público investigar e fiscalizar”, afirma
Jorge. “O sistema veio sem custo nenhum para a prefeitura e, por ser algo novo,
não havia quem fizesse tudo isso para nós. Agora, que o sistema se popularizou
e diversas empresas já podem realizar o serviço, faremos a licitação.”
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