sábado, 2 de agosto de 2014

Como Canoas facilita a vida de empreendedores

A prefeitura do município, na periferia de Porto Alegre, corta impostos para alavancar os negócios

JOSÉ FUCS, DE CANOAS (RS)
15/07/2014 07h00 - Atualizado em 15/07/2014 20h55
 
PRÓ-NEGÓCIOS A arquiteta Luciana Galvão no Escritório do Empreendedor. Ele é uma espécie de Poupatempo empresarial (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)


A arquiteta Luciana Galvão no Escritório do Empreendedor. Ele é uma espécie de Poupatempo empresarial (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA) - Boas práticas de governo - negócios (Foto: reprodução)

A arquiteta Luciana Galvani, de 29 anos, cuida pessoalmente da burocracia envolvida em seus projetos. Além de acompanhar a aprovação das obras pela prefeitura, em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, Luciana corre atrás de licenças ambientais e alvarás da vigilância sanitária para regularizar os projetos da clientela, composta principalmente de lojas, clínicas e consultórios médicos.

Felizmente, hoje, ela não precisa mais peregrinar por diversas repartições públicas espalhadas pela cidade para fazer seu trabalho, como boa parte dos empreendedores do país. Graças a uma iniciativa pioneira da prefeitura de Canoas, Luciana pode obter toda a papelada de que precisa num único endereço –  o Escritório do Empreendedor (EE). No dia 23 de maio, uma sexta-feira, ela teve de esperar 20 minutos no final da tarde para ser atendida e agendar a vistoria da vigilância sanitária a uma clínica médica que, segundo ela, costuma ser realizada em até 15 dias. “Com tudo centralizado, fica muito mais fácil”, diz. “Quando você tem de fazer uma coisa aqui, outra ali, perde muito tempo.”

Criado em 2010, o EE funciona como uma espécie de Poupatempo empresarial. No total, há cinco guichês diferentes de atendimento, um para cada secretaria envolvida com a atividade das empresas no município – Fazenda, Desenvolvimento Econômico, Saúde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Habitação. Apesar de ser um órgão municipal, o EE realiza também a inscrição dos novos negócios na Receita Federal pela internet e encaminha os documentos necessários à Junta Comercial, em Porto Alegre. Por meio de uma parceria com o Sebrae, os empreendedores ainda podem receber o apoio de um consultor para melhorar a gestão de seus negócios.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Mário Cardoso, o EE permitiu uma redução significativa no prazo de abertura de novos empreendimentos na cidade, de até 90 dias para apenas cinco. “Agora o empreendedor não precisa mais ir de um lado para o outro, como uma pipoca”, disse a ÉPOCA o prefeito Jairo Jorge, reeleito com 70% dos votos em 2012. Jorge é considerado candidato potencial à sucessão do governador Tarso Genro, do PT, ao governo do Estado.

Petista histórico e ex-militante da Juventude Operária Católica (JOC), Jorge, de 51 anos, não deixou a ideologia contaminar sua gestão. Além de apoiar o empreendedorismo, adotou uma política de estímulo aos negócios, que muitos militantes do PT chamariam de “neoliberal”, ao cortar o Imposto sobre Serviços (ISS) do município. Embora Canoas seja a quarta maior cidade gaúcha, com 330 mil habitantes, e a segunda maior força econômica do Estado, logo depois de Porto Alegre, ainda é, como ele mesmo diz, uma típica cidade de periferia. Cerca de 70% das famílias têm renda abaixo de três salários mínimos, e Jorge sabe que, para gerar empregos e melhorar a renda local, criar e instalar novas empresas é essencial.

Em 2009, ao assumir o cargo, ele patrocinou um projeto de lei, aprovado pela Câmara Municipal, que reduziu e unificou as alíquotas de ISS, de 3% a 5% sobre o faturamento, para 2,75%. Só o setor financeiro não foi beneficiado pela medida. “O empresário aqui é bem acolhido, não é tratado como criminoso”, diz Jorge. Ele nega que empresas de Porto Alegre e outros municípios da região metropolitana, onde a alíquota do ISS é de 5%, possam se instalar formalmente em Canoas, para se beneficiar do imposto menor, mas concentrar suas atividades em outras cidades – prática que vem sendo fiscalizada de forma crescente pelas prefeituras de outras capitais. “Aqui não é paraíso fiscal. A empresa tem de estar efetivamente aqui, porque tenho fiscalização.”

Desde a adoção da lei, há cinco anos, a economia de Canoas deu um salto. A cidade atraiu 6 mil novas empresas do setor de serviços, segundo Jorge, e permitiu a criação de 16 mil novos empregos, o equivalente a quase 20% das vagas formais oferecidas na cidade. Nesse período, a arrecadação do ISS mais que dobrou. Passou de R$ 44 milhões, em 2008, para R$ 90 milhões, em 2014. A receita total, que inclui outros tributos, passou de R$ 450 milhões para R$ 1,2 bilhão por ano.

Jorge também implementou um novo plano de carreira para os professores municipais e adotou a meritocracia para avaliá-los e definir a progressão na carreira. Ele conseguiu o “milagre” de implementar a avaliação pelo mérito na educação sem enfrentar greves, com a aprovação unânime do sindicato, graças, segundo ele, às 46 reuniões que fez nas escolas de educação fundamental e infantil para debater a questão. Jorge também implementou um sistema de avaliação para o primeiro e segundo escalões do governo, que já levou à saída de alguns secretários. “Temos de quebrar paradigmas, ter um novo modelo”, afirma.

PEQUENAS DEMANDAS O prefeito Jairo Jorge (de abrigo esportivo) atende  um empresário da cidade. Ele anota todas as demandas em seu notebook (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)

O prefeito Jairo Jorge (de abrigo esportivo) atende um empresário da cidade. Ele anota todas as demandas em seu notebook (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)

A inovação parece ser quase uma obsessão para Jorge e impregna toda a administração. Ela faz parte de um projeto estratégico desenvolvido no início de sua gestão, com dez programas prioritários, que envolvem 50 projetos e a definição de metas para cada secretaria e órgão municipal. Apesar de afirmar e reafirmar que não trabalha sozinho e é um “homem de equipe”, é ele quem “bota pilha” na turma. Até na área de segurança, um problema crônico no país, Jorge procurou inovar, com a adoção de um sistema de monitoramento de áudio que permite detectar tiros na cidade, a primeira fora dos Estados Unidos a usá-lo.

Quando alguém dispara uma arma de fogo numa área monitorada, o sistema, implementado em 2010, envia um alerta para a central em poucos segundos, e a radiopatrulha vai até o local. Segundo Jorge, esse sistema, cuja margem de erro é de 5 metros, já permitiu à polícia salvar a vida de cerca de 30 pessoas e a prender outras 20.

Desde o primeiro mandato, Jorge procurou criar formas diretas de relacionamento e comunicação com a população. Talvez a mais peculiar seja o projeto Prefeitura na Rua, por meio do qual ele e um representante de cada secretaria atendem diretamente os cidadãos todos os sábados.

O grupo fica numa tenda montada em diferentes bairros da cidade, dos mais pobres aos mais privilegiados. Em média, são atendidas cerca de 100 pessoas por sábado. Jorge atende pessoalmente dez. Anota as demandas em seu notebook e tira uma cópia de cada uma na impressora ao lado. Muitas vezes, encaminha o cidadão para falar ali mesmo com o representante de uma secretaria, com um papel em que ele mesmo pede providências para resolver o problema. “Chamo isso de dessacralização da política”, diz. “Não é um lugar protegido. Estou no mar aberto. Todo mundo pode ir lá.”

No último dia 24, o empresário Laury Sartori Filho, de 42 anos, ficou cerca de 40 minutos falando com Jorge, acompanhado de seu filho mais velho, Laury Neto, de 6 anos. Sartori Filho é dono de uma fábrica de caixas de som profissionais e chegou às 6h30 para conseguir uma senha para falar com Jorge, no bairro Igara, de classe média. Ele esperou cerca de cinco horas, mas não parecia incomodado. Sua empresa está instalada num bairro em que o zoneamento mudou e não permite mais a instalação de indústrias.

Como ele já tinha o alvará da prefeitura, não seria atingido pela medida. Só que, em 2010, mudou-se para outra rua no mesmo bairro. Desde então, não consegue regularizar o imóvel. Segundo Sartori Filho, Jorge lhe disse que resolveria a questão e passou dois números de celulares do secretário da área, para ele ligar, caso o problema não fosse resolvido em uma semana. “Pode até não dar em nada, mas deixa a gente com a esperança de que, depois de tanto tempo, poderei finalmente regularizar minha empresa”, disse. ÉPOCA entrou em contato com Sartori Filho e, de acordo com ele, a questão ainda não fora resolvida, como prometera o prefeito.

No início de 2012, a prefeitura lançou um serviço pioneiro de agendamento de consultas médicas por telefone, para acabar com as filas que costumam se formar nos postos públicos de saúde. O serviço é prestado por uma empresa terceirizada, a AGH, numa instalação cedida pela prefeitura. O software, desenvolvido pela própria AGH para o governo gaúcho e cedido para Canoas gratuitamente, funciona em dias úteis das 7 às 19 horas. Ele permite também que os usuários cadastrados, que já somam 230 mil, tenham um prontuário único. Para evitar que o usuário fique esperando atendimento no horário de pico, o sistema identifica automaticamente o número da chamada e responde à ligação em seguida. Um dia antes da consulta, a prefeitura envia uma mensagem para o celular do cidadão.

Pairam dúvidas, porém, em relação à lisura do contrato feito com a AGH. Segundo o procurador da República Pedro Antônio Roso, a escolha da empresa, que recebe R$ 5 milhões por ano pelo serviço, foi feita sem licitação. A prefeitura alega que houve dispensa de licitação por causa da necessária especialização do serviço para operação e aperfeiçoamento do software, que gerencia a marcação de exames, consultas e cirurgias. É uma justificativa que o procurador contesta, sob o argumento de que outras empresas do ramo estão habilitadas a substituí-la.

Embora o contrato vença em novembro, e a prefeitura já tenha anunciado a realização de uma licitação para a contratação do serviço, Roso disse a ÉPOCA que prepara uma ação civil de improbidade administrativa contra a prefeitura. “Vejo isso com naturalidade. É papel do Ministério Público investigar e fiscalizar”, afirma Jorge. “O sistema veio sem custo nenhum para a prefeitura e, por ser algo novo, não havia quem fizesse tudo isso para nós. Agora, que o sistema se popularizou e diversas empresas já podem realizar o serviço, faremos a licitação.”


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