sábado, 2 de agosto de 2014


03 de agosto de 2014 | N° 17879
ANTONIO PRATA


Peço perdão ao professor Pasquale se invado, aí, a sua seara: sei que meto o bedelho num assunto que ele poderia destrinchar, aí, com muito mais propriedade do que eu, mas não me aguentei. Eu tinha que me manifestar, pois desde a explosão do gerúndio – lá se vão, aí, mais de 10 anos – não aparecia uma moda, aí, tão irritante, aí, como essa do “aí”.

Moro longe, nos cafundós da Granja Viana e sempre que estou, aí, na Raposo Tavares, parado no trânsito ou me movendo, aí, na mesma velocidade que o finado bandeirante devia atingir, aí, a pé, ouço rádio – e as rádios são o celeiro, aí, a estufa, aí, a chocadeira, aí, do “aí”.

Entendo que não deve ser fácil falar ao vivo, aí, pra milhões de pessoas, aí, sobre separatistas na Ucrânia, o novo disco, aí, do Gilberto Gil, o trânsito, aí, na Anhaia Mello. Compreendo que pro sujeito manter, aí, o ritmo, ele às vezes tem que se escorar, aí, numa ou noutra muleta. É como um chiclete que você mastiga, aí, na porta do cinema enquanto espera, aí, uma garota com quem vai sair, aí, pela primeira vez. Mas assim como o ininterrupto sobe e desce da mandíbula pode acabar, aí, irritando a garota, o “aí” também consegue, aí, se sobrepor à informação.

Aí – e aqui eu uso corretamente o “aí”, como advérbio, não como, aí, um soluço fonético – já não consigo mais prestar atenção em nada do que o cara fala: esqueço, aí, as tramoias do Putin, me desinteresso, aí, dos sambas do Gil, ignoro, aí, o caminhão baú que enguiçou na pista da direita da Anhaia Mello – sentido bairro –: só consigo ficar, aí, esperando o momento, aí, que o sujeito soltará, aí, o seu próximo “aí”.

Tenho pensado muito, aí, sobre o “aí” e cheguei à conclusão que ele exerce, aí, duas funções. Por um lado, ele amacia a frase, fazendo, aí, com que a dureza dos dados se acomode, aí, numa almofada de coloquialidade. Por outro lado, paradoxalmente, o “aí” parece dar, aí, mais complexidade à notícia.

Se o repórter fala, aí, que o “O mercado espera um crescimento de 1%, em 2014”, a impressão que temos é que ele teve acesso a um só dado e nos transmitiu. Mas se ele diz, aí, que “O mercado espera um crescimento, aí, de 1%, em 2014”, parece que ele analisou, aí, várias planilhas, viu expectativas de 0,6%, de 0,8%, de 1,3%, de 1,4%, fez seu próprio balanço e chegou à conclusão, aí, de que o crescimento esperado é em torno, aí, de 1%.

É essa falsa profundidade, aí, que me deixa especialmente irritado. Lembra muito o outrora poderoso “No caso”. Teve uma época, aí, em que o brasileiro era incapaz de responder uma pergunta que não começasse, aí, com “No caso”. “Tem Serra Malte?”. “No caso, não”. “A próxima avenida já é a Brasil?”. “No caso, é”. Depois do “No caso” veio, aí, o gerúndio, depois do gerúndio, aí, o “Com certeza” e agora, aí, o “aí”.


Ouso dizer, aí, que o “aí” é mais perigoso do que todos os modismos anteriores, justamente por ser mais discreto. Invisível aos olhos, quase inaudível aos ouvidos, ele se multiplica em nossas bocas como percevejos, aí, numa cama de pensão. Não quero ser alarmista, aí, mas acho que o problema é sério. Ou o Brasil acaba, aí, com o “aí”, ou, no caso, o “aí” vai estar acabando, aí, com o Brasil. Com certeza. Aí.

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