01
de agosto de 2014 | N° 17877
DAVID
COIMBRA
Salvem as crianças
Não
assisto mais a filmes de terror. Tenho medo. Mas há três clássicos que não
hesito em rever, se passam no Corujão: O Exorcista, que é o número 1 dos filmes
de terror de todos os tempos; O Iluminado, do qual só quem não gostou foi o
autor da trama, Stephen King; e O Bebê de Rosemary, que se passa no Edifício
Dakota, onde moravam John Lennon e Yoko Ono.
São
as exceções. Os outros, não quero nem ver o trailer. Dá pesadelo.
De
uns tempos para cá, há mais um gênero de filme que não assisto: aquele em que
crianças sofrem. Sempre gostei de criança, mas, depois que meu filho nasceu, não
posso deparar com uma que pareça triste nem em propaganda de supermercado. Sinto-me
mal.
É terrível
ver crianças vitimadas pela guerra, como a atual do Oriente Médio, em que muitas
são usadas até como proteção para lançamento de foguetes, ou crianças
dilaceradas pela fome, como sói acontecer em países da África. Mas a guerra e a
fome abatem a todos, de qualquer idade, enquanto que aqui, na América pacífica,
se desenrola um drama exclusivo de crianças: quase 60 mil delas cruzaram,
sozinhas, a fronteira do México em direção aos Estados Unidos. Sozinhas!
É assustador.
Crianças às vezes de oito ou nove anos de idade são largadas na fronteira e, ao
tentarem entrar nos Estados Unidos, acabam detidas e enviadas para galpões,
onde esperam meses até que seus casos sejam analisados pela Justiça americana. Essas
crianças vêm de El Salvador, Guatemala e, principalmente, Honduras, fugidas das
gangues e da violência promovida pelos traficantes de drogas.
Em
geral, os próprios pais as levam até o México e as empurram para a fronteira. A
esperança dos pais é de que, nos Estados Unidos, elas sejam tratadas com
dignidade e tenham alguma chance de felicidade na vida. É como se gritassem: “Salvem
os nossos filhos!”
Uma
criança que entra nos Estados Unidos pode, de fato, ser salva, se conseguir
ingressar no sistema. Exatamente graças a essa palavra: sistema. Nos Estados
Unidos, existe um sistema que prioriza a educação infantil. E, quando falo em
sistema, quero dizer que a engrenagem da sociedade americana funciona por si,
seja quem estiver na Casa Branca.
Eis
a diferença: no Brasil, o bem-estar público é feito por meio de programas de
governo, não por política de Estado. Um programa, por mais bem-intencionado que
seja, é sempre fugaz, pode se desintegrar no governo seguinte ou até no governo
em voga, caso surja necessidade mais premente.
Programas
de governo são fáceis de fazer. Não dependem de negociação, de conscientização
da sociedade, de planejamento ou estudo aprofundados. Também é fácil destinar
dinheiro para uma ou outra causa e delegar a responsabilidade a Estados e municípios.
O difícil, para um governo, é usar sua legitimidade conquistada nas urnas e
liderar a sociedade na construção de um sistema de Estado. É difícil, lento e
agastante. E não dá voto.
A única
forma de levantar do chão um país justo é pelas crianças. Primeiro as crianças,
o resto é o resto. O resto se ajeita com o tempo. Se o Brasil se dedicasse a
salvar suas crianças, podia esquecer os adultos. Os adultos não têm mais salvação.
As crianças, sim. O Brasil precisa pensar nas suas crianças, antes que os pais
delas tenham de fazer como os pais da América Central. Antes que tenham de levá-las
a uma outra nação, implorando: salvem as nossas crianças, porque nós não
podemos mais salvar.
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