25
de abril de 2012 | N° 17050
MARTHA
MEDEIROS
Cachê de escritor
Ninguém questiona quanto Maria Gadú receberá
pelo show que realizará amanhã aqui na cidade: seja quanto for, é o valor do
trabalho dela. Tampouco alguém vai se escandalizar com o que Madonna vai
embolsar no fim do ano com sua excursão pelo país. Está sacramentado que, no
mundo da música, o artista reina.
Mas vá associar dinheiro com literatura. Nada
pode ser mais profano.
Se Gabriel o Pensador (a quem admiro) viesse
para a Feira do Livro de Bento Gonçalves apenas para fazer um show e, com sua
equipe, recebesse R$ 170 mil, o cachê seria astronomicamente alto, mas não
viraria manchete de jornal. Alguém tem ideia de quanto Nando Reis cobrou para
cantar semana passada na Bienal do Livro de Brasília? Bem menos que isso,
provavelmente, mas não é relevante. Como se trata de um show, ninguém questiona.
Mas Gabriel não é apenas músico, é também
escritor, e isso muda tudo. Um escritor receber essa baba para, além de fazer
show, dar palestra? Incentivar os jovens a ler? Peraí: escritor tem que fazer
isso de graça!
É o que está embutido no inconsciente
coletivo. Escritor não precisa comer (a poesia alimenta a sua alma), não
precisa se vestir (ele é o São Francisco de Assis das artes), não precisa
comprar passagem de avião (ele viaja nas ideias), não precisa ter casa própria (ele
mora na filosofia), não precisa fazer as unhas e pintar o cabelo (escritoras,
quanto mais esculhambadas, mais profundas).
Ou
seja, o dinheiro macula a “sacralidade” dos que vivem de escrever – e se
viverem mal, ótimo, maior será o seu crédito.
O pior é que, a despeito da ironia acima,
ainda me sinto tolamente constrangida de ser paga para participar de eventos
literários, reflexo desse pensamento beato de que escritor e dinheiro não foram
feitos um para o outro.
No
entanto, assim como meus colegas, sou paga, vivo disso também, e procuro manter
uma atitude profissional, a exemplo de qualquer outro trabalhador que está doando
suas horas produtivas para se colocar a serviço de um contratante. Escritor não
tem que estar sempre em promoção.
Se há algo de errado em investir
R$ 170 mil em um único autor – e é mesmo
dinheiro pra burro, a polêmica se justifica –, também há algo de errado em a
gente ficar tão embaraçado em ser bem pago para falar. Se acreditam que podemos
contribuir para a sociedade não só escrevendo, se há quem queira também nos
escutar, vamos lá, não é pecado, desde que se pratique um preço justo – resta
saber como se quantifica o justo.
Outro
dia, um amigo, palestrante profissional, me confidenciou que os escritores estão
deflacionando o mercado em que ele atua. “As empresas nos consideram caros
porque vocês, escritores, aceitam falar por qualquer merreca.” Pois é. Ou a
gente deixa o constrangimento de lado, ou vamos ter que aprender a cantar.
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