21
de abril de 2012 | N° 17046
CLÁUDIA
LAITANO
Pobre de novela
O
dólar sobe, o dólar cai, os juros sobem, os juros caem, mas a garrafa de uísque
e o balde de gelo continuam sempre a postos – gelo de rico nunca derrete. A
economia mundial pode dar piruetas, o Eike pode torrar toda a sua fortuna, mas
rico de novela nunca amarrota a fatiota.
Está
sempre lá, do mesmíssimo jeito, tomando seu café da manhã de rico e subindo
suas escadarias de mármore desde os tempos em que Glória Menezes era cocota.
Para acompanhar as mudanças do Brasil, é preciso ficar de olho no pobre de
novela, este, sim, afetado de forma mais evidente pelas flutuações sociais e
econômicas da nação: quando o país vai bem, o pobre de novela vai melhor ainda.
Depois
de anos fazendo figuração, enquanto os ricos bebiam uísque e a classe média
casava e descasava, a categoria, enfim, tomou conta do horário nobre. As duas
principais novelas da Globo, Cheias de Charme e Avenida Brasil, têm empregadas
domésticas como protagonistas e música brega como trilha sonora.
Em
clima de dramalhão, Avenida Brasil mistura bastidores do futebol, kuduro e até
o inédito (em novelas) universo dos catadores de lixo para contar uma história
de madrasta má e vingança que poderia ter como pano de fundo os campos nevados
da Rússia.
São
os detalhes que colorem a trama com o tempero da classe C ascendente
tipicamente nacional. A família do craque que ficou milionário, mas não quis
sair do subúrbio, é pobre de novela com banho de loja: eles têm o dinheiro (e o
uísque), mas não o “finesse”. São gente diferenciada.
É na
trama leve e despretensiosa de Cheias de Charme que o pobre de novela está
ganhando contornos mais interessantes. Na novela das sete, o retrato da classe
C vai além da trilha sonora e do figurino e é parte central do enredo, não
apenas porque as personagens principais são empregadas domésticas, mas porque seus
conflitos renderiam um breve tratado de sociologia brasileira.
Há
as fronteiras embaralhadas entre casa grande e senzala da menina que não sabe
se é da família ou se é empregada, há a dona de casa que batalha para sustentar
sozinha a família e o marido encostado (brasileiríssimo...) e há também a
patroa sem-noção que joga sopa na empregada – o que rendeu uma cena de
julgamento de ação trabalhista que deve ter sido a primeira do gênero na
teledramaturgia brasileira.
Nos
Estados Unidos, a televisão ficou tão boa nos últimos anos, que muita gente tem
dito que as coisas mais interessantes estão acontecendo por lá e não mais no
cinema. No Brasil, parece ter havido o fenômeno contrário: quanto mais o cinema
brasileiro superava a desconfiança do público, mais as telenovelas, gênero
brasileiro por excelência, ficavam parecidas entre si e repetitivas.
O
trunfo da moderna telenovela brasileira, aquela que nasceu com Beto Rockfeller
no final dos anos 60, sempre foi a habilidade de fazer o país se reconhecer na
TV – mesmo que com narizes mais fininhos e pele mais clara.
A
alegre e consumista nova classe C, que salvou o Brasil da crise, pode também
estar salvando as novelas brasileiras da mesmice e da perda de audiência. Mas
isso a gente só vai descobrir nos próximos capítulos.
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