22
de abril de 2012 | N° 17047
MARTHA
MEDEIROS
A capacidade de se
encantar
Muita gente diz que adora viajar, mas depois que
volta só recorda das coisas que deram errado. Sendo viajar um convite ao
imprevisto, lógico que algumas coisas darão errado, faz parte do pacote.
Desde
coisas ingratas, como a perda de uma conexão ou ter a mala extraviada, até
xaropices menos relevantes, como ficar na última fila da plateia do musical ou
um garçom mal-humorado não entender o seu pedido. Ainda assim, abra bem os
olhos e veja onde você está: em Fernando de Noronha, em Paris, em Honolulu, em
Mykonos. Poderia ser pior, não poderia?
Outro
dia uma amiga que já deu a volta ao mundo uma dezena de vezes comentou que
lamentava ver alguns viajantes tão blasés diante de situações que costumam
maravilhar a todos.
São
os que fazem um safári na Namíbia e estão mais preocupados com os mosquitos do
que em admirar a paisagem, ou que estão à beira do mar numa praia da Tailândia
e não se conformam de ter esquecido no hotel a nécessaire com os medicamentos,
ou que não saboreiam um prato espetacular porque estão ocupados calculando
quanto terão que deixar de gorjeta.
Não
saboreiam nada, aliás. Estão diante das geleiras da Patagônia e não refletem
sobre a imponência da natureza, estão sentados num café em Milão e não percebem
a elegância dos transeuntes, entram numa gôndola em Veneza e passam o trajeto
brigando contra a máquina fotográfica que emperrou, visitam Ouro Preto e não se
emocionam com o tesouro da arquitetura barroca – mas se queixam das ladeiras,
claro.
Vão
à Provence e torcem o nariz para o cheiro dos queijos, olham para o céu
estrelado do Atacama sofrendo com o excesso de silêncio, vão para Trancoso e
reclamam de não ter onde usar salto alto, vão para a Índia sem informação
alguma e aí estranham o gosto esquisito daquele hambúrguer: ué, não é carne de
vaca, bem? Aliás, viajar sem estar minimamente informado sobre o destino
escolhido é bem parecido com não ir.
Estão
assistindo a um show de música no Central Park, mas não tiram o olho do iPad.
Vão ao Rio, mas têm medo de ir à Lapa. Estão em Buenos Aires, mas nem pensar em
prestigiar o tango – “programa de velho!” São os que olham tudo de cima,
julgando, depreciando, como se o fato de se entregar ao local visitado fosse
uma espécie de servilismo – típico daqueles que têm vergonha de serem turistas.
É
muito bacana passar um longo tempo numa cidade estrangeira e adquirir hábitos
comuns aos nativos para se sentir mais próximo da cultura local, mas quem pode
fazer essas imersões com frequência? Na maior parte das vezes, somos turistas
mesmo: estamos com um pé lá e outro cá. Então, estando lá, que nos rendamos ao
inesperado, ao sublime, ao belo. Nada adianta levar o corpo pra passear se a
alma não sai de casa.
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