quarta-feira, 18 de abril de 2012



18 de abril de 2012 | N° 17043
JOSÉ PEDRO GOULART


Gozo tarja preta

Shame não é nem de longe um grande filme. Por que vou falar dele então? Porque sexo, pessoas embrutecidas, cidades incivilizadas, vazio existencial – tudo isso que são os temas do filme são temas incessantes, seja na minha, prezado leitor, ou na sua cabeça.

E alguém que não viu o filme pode ficar tranquilo, sem spoilers. Digo apenas que a narrativa é sobre um homem, jovem porém nem tanto (35/40?), que preenche esse vazio de que falei no início com sexo. Bom, nem sempre sexo com outra pessoa, por isso talvez fosse melhor dizer que ele preenche o vazio com orgasmo.

O orgasmo solitário, incentivado pelo acesso à pornografia na web. O orgasmo compulsivo, resolvendo frustrações, ao invés de ser o ápice do prazer. Uma espécie de gozo tarja preta. Aquilo que dá uma resposta ligeira à angústia que temos de não ter resposta nenhuma.

O orgasmo obtido dessa maneira, repetido como uma droga barata, interrompe, sempre no início, a pequena faísca formada pelo desejo por algo, ou alguém. E desse jeito acaba com o objetivo por alguma coisa mais definida que acalmasse a inquietação produzida pelo excesso de estímulos a que somos submetidos dia após dia, um verdadeiro bombardeio – uma massificação dos sentidos.

Rubem Fonseca escreveu o seguinte sobre Bioy Casares : “O escritor fala do compromisso que o ser humano tem com a vida. E do dever de enfrentar a morte e a velhice e o desprezo da sociedade e o desdém e a violência dos jovens”. As palavras “compromisso” e “dever” chamam a atenção. Talvez Fonseca pudesse lembrar que esse compromisso, ou dever, não foram assumidos previamente por ninguém. Por outro lado, talvez ele tenha razão, “há” esse compromisso compulsoriamente. Quase um paradoxo.

Shame entretanto não lida com paradoxos. As saídas para o personagem estão ali, a moça sincera querendo amor de verdade. Algo que o personagem não consegue dar. A irmã ultrassensível, problemática e também carente do amor fraterno. Apesar das aparências de contraventor – se utiliza da estética do momento, a atriz da hora, e de encenação sexual presumivelmente chocante – Shame é um filme romântico.

Uma novidade seria ampliar os aspectos que produzem a raiva contida no personagem. A raiva que se sente pelo desprezo da sociedade. E também a raiva que temos uns pelos outros simplesmente pelo fato de que ninguém consegue explicar ou resolver o problema de por que afinal temos “compromisso” com a vida, além do “dever” de enfrentar a morte e a velhice.

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