quinta-feira, 12 de abril de 2012



12 de abril de 2012 | N° 17037
ARTIGOS - Susana Espíndola*


As fraudes cotidianas de todos nós

Não tenho o hábito de colar adesivos no meu carro. Constituição familiar, time do peito, lojas que frequento, bichinho de estimação e fé religiosa são, a meu juízo, assuntos de foro íntimo. Sempre achei que meu carro não deveria transformar-se em um outdoor ambulante, vitrine de minha ideologia e espelho de meu estilo de vida.

Abri mão desta decisão para um único adesivo. Estampei sobre a lataria um discreto coração azul, que pede gentileza no trânsito. Senti que seria impossível furtar-me à ideia de que precisamos ser corteses se quisermos conviver de forma civilizada e urbana com nossos conterrâneos e contemporâneos.

Todos partilhamos das mesmas ruas, temos que sair de nossas garagens, encontrar vaga para estacionar nas ruas, buscar filhos em colégios, entrar e sair de supermercados, chegar a tempo e hora a nossos destinos. Desempenhar estas ações com cortesia ou de forma grosseira é a sutil e decisiva diferença. Custa pouco, rende muito.

Gostaria que os motoristas aprendessem a sentir o prazer do gesto que favorece a passagem do outro, vissem como vitória pessoal o sorriso do idoso que se sente seguro para atravessar à sua frente, percebessem o olhar de confiança do colegial para o qual paramos na faixa de segurança. Dar passagem é melhor do que avançar alguns metros, manter aberto o cruzamento é infinitamente mais gratificante do que grudar no carro à frente para conquistar a primazia. Quem experimentou este sabor sabe que é verdade.

Dirigir é ter uma arma de quatro rodas na mão, melhor manuseá-la com cuidado. Sonho com o dia em que a cortesia será a prática, não a eventualidade. Sou intransigente: reputo como corrupção infringir regras simples do cotidiano.

Vejo incoerência e demagogia nas palavras de quem condena o roubo escrachado que acontece nas altas esferas governamentais ou corporativas, mas se antecipa na fila, ocupa duas vagas ao ignorar as faixas amarelas de divisão dos espaços, não respeita as bases elementares da convivência humana. Somos, igualmente, ladrões, larápios, vilipendiadores e antiéticos quando praticamos tais desconsiderações nas ruas, avenidas, praças e esquinas das cidades que habitamos.

Se quisermos transcender o crescimento econômico que conquistamos, se nos anima a iminência do emprego pleno e do consumo disseminado entre todas as classes brasileiras, se quisermos fazer um gol de placa nos grandes eventos esportivos dos próximos anos, temos muito a aprender.

Um primeiro passo é exercer a civilidade no dia a dia, em todas as esferas de nossas vidas. É fácil, tão fácil quanto criticar a corrupção dos outros, mas precisamos conscientemente educar-nos para atingir este patamar que tanto elogiamos quando voltamos de viagens ao Exterior.

*JORNALISTA

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