quinta-feira, 19 de abril de 2012


PASQUALE CIPRO NETO

'...pelo o que foi constatado...'

O uso de 'pelo o' parece evidenciar que já não se vê 'pelo' como contração, mas como a própria preposição

O CARO leitor decerto conhece o bordão "Eu não invento, só aumento". Eu não invento e não aumento; só preservo a fonte, porque ninguém precisa ser exposto.

Pois bem. Há um famoso treinador de futebol (tido como "top", "de ponta" etc.) que volta e meia diz coisas como "pelo aquele lance", "pela aquela jogada" etc. Na verdade, o cidadão não diz "pela aquela"; o que ocorre é uma elisão, já que a vogal átona final de "pela" desaparece, ou seja, o treinador diz "pelaquela".

Convém dizer logo que, em se tratando das variedades formais da língua, não se dá essa elisão; o que ocorre é o emprego da preposição "por" e do demonstrativo "aquela" (ou "aquele") separados ("por aquela", "por aquele").

Como se sabe, a forma "pelo" resulta da contração da preposição "per" com o artigo "o" ("Foi pelo caminho mais longo") ou com o demonstrativo "o", equivalente a "aquele" ou a "aquilo" ("Pelo que me disseram, você esteve lá ontem"). Bem, se "pelo" resulta de "per" + "o", o que seria a forma "pelo aquele" (ou "pela aquela")? Seria algo equivalente a "por o aquele" (ou "por o aquela").

Bem, o fato é que o uso de formas como "pelo aquele", "pela aquela", "pelo o" etc. parece evidenciar que alguns falantes não veem em "pelo" uma contração, mas a própria preposição. Antes que alguém me diga que tomei por base um caso isolado (a fala de um treinador de futebol), informo que nesta semana ouvi, na TV, uma profissional da educação dizer "pela aquela" ("pelaquela", na verdade).

Informo também que há poucos dias li num site a seguinte passagem: "...consegue atingir um interessante equilíbrio entre desempenho e economia de combustível pelo o que foi constatado pelas medições...". Na hora pensei que se tratasse de um erro de digitação ou de (re)montagem do texto, mas, ao continuar a leitura, encontrei logo depois esta passagem: "...e também pelo o que pudemos notar em uma semana de uso...".

Despretensiosamente, joguei "pelaquela" (tudo junto) no Google e, para minha surpresa, vi que o site de busca apresentou "aproximadamente 552 mil resultados", não propriamente de "pelaquela", mas de "pela quela".

Fui ler alguns desses milhares de ocorrências, imaginando que o "corpus" predominante fosse representado por posts de blogs, tuítes e congêneres, em que predomina a linguagem rápida, abreviada, eficiente, que se usa nesses territórios, mas constatei que, além dos textos escritos em "internetês", a forma "pela quela" apareceu em muitos textos escritos "por extenso", ou seja, com as palavras inteiras, acentuadas, grafadas como as registram os dicionários etc.

Na mesma busca, vi muitas referências ao (falso) título de uma canção do repertório de Paula Fernandes ("Sai Pela Quela Porta", nos textos dos blogueiros, tuiteiros etc., muitos dos quais -os textos- escritos "por extenso"). Como não conhecia a canção, fui atrás e vi que o título verdadeiro é "Por Aquela Porta, Sai". Fui ouvir a música e constatei que Paula diz, com toda a clareza do mundo, "Sai, / Por aquela porta, / Sai".

A esta altura, você talvez se pergunte quais seriam as razões desse desencontro. Já apontei uma delas (alguns falantes já não veem "pelo" como contração, mas como preposição).

Independentemente disso, no caso dos espaços em que prevalece (ou deveria prevalecer) o padrão culto sedimentado, parece haver sinais da falta de contato com as variedades formais da língua, a começar por alguns profissionais da imprensa. É isso.

inculta@uol.com.br

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