24
de abril de 2012 | N° 17049
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Dormindo sempre juntos, na
mesma hora
Quando
sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela?
Você
é apaixonado por dividir, desculpe informar. É constrangedor confessar a dependência,
mas não resta alternativa.
Nunca
será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos,
que surge no modo de repartir uma tangerina e pôr açúcar no café. Uma
necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades.
Entregou
os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento
de atender ao chamado sedutor de sua esposa.
É tarde,
te espero?
Aquela
desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que
gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos
apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar. Sincronizaram
o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo.
Amor
eterno é quando um não consegue mais dormir sem o outro. Simples assim.
Deseja
descansar, e convoca sua mulher na sala.
– Vem,
tá na hora!
E
ela, que estava envolvida com um filme ou um programa de tevê, nem reclama, nem
diz mais um minutinho, ajeita os ombros no cobertor do seu abraço e segue junto.
Lado
a lado no espelho do banheiro, escovam os dentes, ajeitam o rosto, colocam
roupas folgadas. Reina uma sincronia dos movimentos, uma disciplina na admiração.
Alguns até confundem com tédio, porém é intimidade: não precisar falar para se
entender. Se silêncio com ódio é submissão, silêncio com ternura é concordância.
Escoteiros
do casamento, entram no mar branco dos lençóis cada um do seu lado: ela pela
margem esquerda, ele pela margem direita. E centram os corpos para fazer
conchinhas encostando as cabeças.
Um
casal apaixonado ocupa menos do que uma cama de solteiro: terminam agarrados,
sobrepostos.
Você
se dá conta de que não deita mais sozinho há décadas. É uma compulsão olfativa.
Está no escritório trabalhando de madrugada, e ela abre a porta para convidá-lo:
– Vem,
tá na hora!
E não
estranha a ordem, obedece, sequer medita sobre o motivo da adesão. Vai, sem
preguiça alguma, sem aviso de bocejo, ainda que não esteja com vontade, ainda
que tenha uma porção de tarefas e problemas a resolver. Larga as urgências pela
metade e se prontifica a acompanhá-la.
Casal
quando se ama dorme na mesma hora. E não suportará morrer longe. O sonho é também
morrer na mesma hora. Com as respirações próximas.
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