terça-feira, 17 de abril de 2012



17 de abril de 2012 | N° 17042
DAVID COIMBRA


Velhas palavras

Gravei um depoimento sobre a rádio Itapema dizendo que ouvia a emissora em qualquer lugar, no carro, em casa e quando estava com a “minha turma”. Depois de assistir ao vídeo, o Porã, da Atlântida, ele que é um jovem como são todos os que trabalham na Atlântida (eu, inclusive), pois o Porã veio me dizer que o fato de ter empregado a expressão “minha turma” denunciava-me a idade provecta.

– Ninguém mais diz “turma”, hoje em dia.

– Ah, é? E o que é que dizem, hein, Porã?

– É “galera”...

Como sou um homem que aceita críticas construtivas, fiz uma profunda reflexão a respeito e concluí que ele tem razão. Porque, simplesmente, não consigo dizer “galera”, ao mesmo tempo em que vejo muita gente por aí gritando “galera”, em geral acompanhado de urru.

– Urru, galera!

Não conseguiria fazer isso. Se tivesse de chamar minha turma de galera, sobretudo se a galera fosse acompanhada de urru, me sentiria artificial. Então, se este é um tempo em que as pessoas usam “galera”, e não consigo usar, é porque estou defasado. E eu que achava que turma era tão... jovial... Afinal, turma é uma palavra descontraída em si mesma. Começou designando um grupo de cavaleiros do exército romano, derivou para designar qualquer grupo humano, mas nunca foi algo, digamos, sério, “oficial”. Nenhum presidente do G8 vai falar em “nossa turma” numa das reuniões deles na Suíça.

É que, curioso, quanto mais descontraída a palavra, mais rapidamente ela envelhece. Nos filmes em que o Tony Curtis era galã, ele chamava a namorada de “pequena”. Nos filmes em que Roberto Carlos era galã, ele a chamava de “broto”. Nos gibis do Tex Willer, ele volta e meia exclama para seu amigo Kit Carson:

– Cáspite!

O último cara que usou “supimpa” foi o Paulo Francis, e era por ironia.

Outro dia vi o Pedro Andrade dizer ao Lucas Mendes, no Manhattan Connection, que observar que alguém estava “em apuros”, como o Lucas havia observado, era algo muito antigo. E não é que é mesmo? Os avós dizem estar em apuros. E outras coisas obsoletas. Minha avó dizia:

– Vou aos pés ali no quarto-de-banho.

Ir aos pés é uma ótima expressão. Melhor do que ela, para se referir às atividades intestinais, só mesmo “obrar”. Dom Pedro I costumava descrever como obrava em suas cartas para a Marquesa dos Santos. “Obrei bem ontem”.

Já meu avô se espantava com as propriedades da “matéria plástica”. Uma vez, lá em Cachoeira, alguém chegou com essas calças de tecido sintético e um gaiato comentou, cheio de malícia:

– Aí... calcinha de matéria...

E lembro do histórico arcebispo Vicente Scherer concedendo entrevista sobre o que lhe ocorreu quando foi assaltado. Faz uns 30 anos isso, e ainda recordo da frase do dom Vicente:

– Os assaltantes me deixaram só com roupas brancas...

Roupas brancas, que maravilha. Neste caso é fácil entender porque ninguém mais se refere às “roupas de baixo” como “roupas brancas”, nem como “roupas de baixo”: é porque os homens só usam uma única roupa “embaixo”, a famosa cueca, e de várias cores, até com estampas do Mickey, como certo amigo meu mostrou no vestiário do futebol, tempos atrás.

As palavras envelhecem porque o mundo muda. Os hábitos mudam. Mas alguns deveriam permanecer intocados. O hábito de um técnico escalar um centromédio, por exemplo. Hoje, a designação “centromédio” caiu em desuso.

Porque os times jogam com dois volantes, ou mais. O cara fica um pouquinho ali, cobrindo os laterais, e daqui a pouco já está lá nas distâncias da área inimiga, chutando em gol como um atacante irresponsável.

O guardião da grande área é insubstituível. Aquele velho cão vigilante postado na frente da meia-lua, rosnando, fazendo com que tudo de ruim termine por ali e tudo de bom comece por ali. Isso não deveria mudar nunca.

Sei que certas mudanças são irreversíveis, mesmo que lamentáveis. Gostaria de chamar as garotas de “pequenas”, mas acho que elas não aprovariam. Como o Kenny Braga, gostaria de ver times com pontas abertos, mas os técnicos não aprovariam. Já o centromédio e a turma precisam ir em frente, ainda que pareçam não ser mais tão jovens como eram nos anos 70.

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