22
de abril de 2012 | N° 17047
VERISSIMO
A fonte
Lembro
que fiquei emocionado quando li que tinham localizado a nascente do rio
Amazonas. Quem sabe por que nos emocionamos? Tem gente que chora em largada de
rali, ou vendo comercial de talco para criança, e depois não sabe explicar por
quê.
Não
havia nada de emocionante na notícia que li, mas me comoveu, por alguma razão.
Nada mudou na natureza do rio e na nossa percepção dele com aquela nova
informação, por assim dizer, biográfica. Todos os rios nascem em algum lugar,
por que o nascedouro do Amazonas despertaria aquela pieguice? Mas sei lá, me
comovi.
Exploradores
da National Geographic Society tinham descoberto que o Amazonas começa como
pingos de uma geleira do Nevado Mismi, uma montanha no Peru.
O
filete de água que escorre pela parede rochosa do Nevado Mismi é o ponto mais
distante da foz do Amazonas, lá no Atlântico, na bacia de rios andinos que se
juntam para formar o rio maior. No pingo já está a pororoca. No nosso começo
está o nosso fim, como disse o poeta, não me pergunte qual.
Rios
são metáforas fortes: de vida que passa e ao mesmo tempo fica, de tempo que se
esvai e nunca termina, do passageiro e do eterno. “Essa água que não para, de
longas beiras” (Guimarães Rosa em A Terceira Margem do Rio). Suas nascentes são
metáforas mais obscuras: do começo e da razão profunda de tudo. Do primeiro mistério.
Durante
muito tempo a localização da nascente do Nilo foi um desafio para exploradores
europeus. Sua busca, em contraste com o desinteresse dos nativos, para os quais
a origem do rio era obviamente um dadivoso deus das águas, simbolizou o domínio
do pensamento colonizador científico sobre uma cultura mágica.
Joseph
Conrad foi buscar na vertente podre do Congo, no coração escuro da floresta,
uma representação do manancial de loucura e maldade da espécie, nossa danação
no nosso começo.
Rios,
no fim – ou no começo – simbolizam o que a gente quiser. A goteira do Nevado
Mismi representa o que? Talvez a única oportunidade de se olhar o Amazonas como
algo amável, e manejável. Depois ele cresce, fica poderoso e incompreensível, e
quando entra no Brasil já ficou demais. Simbolizando nossa histórica
dificuldade em saber o que fazer com tanta natureza.
De
novo Guimarães Rosa:
“Só
na foz dos rios é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”.
Isso
também: o rio vai acumulando ruídos desde o seu nascer silencioso, sua fonte só
fará barulho quando ele se despejar no mar. O filete de água que que escorre
pela parede do Nevado Mismi já é estrondoso.
Só
lhe falta história para ser ouvido.
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