20
de abril de 2012 | N° 17045
ARTIGOS
- Lícia Peres*
Desfaçatez
Foi
notícia nacional o comportamento do diplomata iraniano Hekmatollah Ghorbani,
acusado de molestar meninas de nove a 15 anos durante um banho de piscina. Uma
das garotas, de 14 anos, percebeu que o iraniano havia tocado as partes íntimas
de outras jovens e, após adverti-lo, avisou o salva-vidas do clube, que ordenou
o fechamento da piscina. O pai de uma das meninas, José Roberto Fernandes
Rodrigues, voltou à piscina e, indignado, tentou agredir Ghorbani.
Na
delegacia, segundo O Globo, o delegado adjunto Johnson Monteiro, que acompanhou
as denúncias, confirmou os relatos. Apesar do flagrante, Ghorbani foi liberado
por ter imunidade diplomática. A ocorrência está registrada e será encaminhada
ao Itamaraty.
“Caso
fosse cidadão comum, ele estaria respondendo por estupro de vulnerável,
previsto em lei, com pena de oito a 15 anos de prisão. Seria considerado
flagrante e estaria preso”, afirmou. O diplomata, que tem mais de 50 anos, é o
terceiro na hierarquia da embaixada iraniana e já está no posto há dois anos.
É
inaceitável que, sob o manto da imunidade, crimes sejam encarados de forma
complacente.
A
situação das mulheres no Irã é algo que fere a dignidade humana.
Internacionalmente,
sempre nos envolvemos em campanhas para evitar atrocidades que são permitidas
pela lei iraniana. É o caso de Sakineh Ashtiani, condenada a morrer por
apedrejamento.
Pouco
valem as mulheres: o rapaz pode ser condenado à morte a partir dos 18 anos. As
mulheres, aos nove.
O
representante do corpo diplomático iraniano, com sua atitude, revelou o
menosprezo ao sexo feminino.
Não
posso deixar de relacionar esse caso com outro, também recente, no qual os
juízes do Superior Tribunal de Justiça absolveram um homem que havia mantido
relações sexuais com três meninas de 12 anos, sob a alegação de que elas já
tinham vida sexual, não eram ingênuas e se prostituíam.
Essa
decisão, mais do que absurda, desumana, gerou protestos em todo o país. Em
qualquer hipótese, o “consentimento” é questionável. Como pode uma menina de 12
anos ter maturidade e discernimento para decidir escolher, como caminho de
vida, a prostituição?
Está
formalizada, assim, a desproteção quando vimos, pela Justiça, a validação desse
comportamento abusivo.
No
Brasil, um dos avanços significativos foi o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), cujo conceito sobre a criança passou de “situação irregular”
para o de proteção integral. Qualquer adulto decente jamais tiraria proveito de
uma condição de vulnerabilidade para se deitar com elas. Essas meninas precisam
dos cuidados que lhes faltaram e que as levaram à violência das ruas.
Pergunto:
tal decisão judicial, que mostrou permissividade sobre relações sexuais com
menores de 14 anos, não contribui para um ambiente de tolerância ao abuso
sexual de crianças e adolescentes?
O
diplomata iraniano que mergulhava com desenvoltura para molestar sentia-se
seguro, não temia consequência. No caso, as meninas tinham famílias que zelavam
por elas e tomaram a providência de apresentar a denúncia.
Cair
no vazio seria muita desfaçatez.
*SOCIÓLOGA
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