Martha
Medeiros
Os expulsos
“Entre
o eu e a vida abriu-se um hiato, que faz daquela não mais a sua vida, mas um
território onde ele não consegue penetrar e se inserir, um lugar estranho que não
lhe pertence e ao qual não se sente pertencer, uma contínua fuga de algo que
nunca possuiu e que portanto não é seu, mas do qual sente nostalgia como se o
tivesse perdido”
(prólogo
do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880)
É uma
sensação esquisita. É Está tudo bem, nada de grave aconteceu, mas você não está
legal. Não aguenta mais o trânsito, palco das maiores grosserias, e o que é pior:
flagra a si mesmo praguejando na hora do rush, quando sabe que é preciso ter
paciência e sair mais cedo de casa, pois os trajetos estão tomando mais tempo.
Está
todo mundo nervoso por razões que não necessariamente o fato de você ter
cruzado à frente – você que também vive numa pressa danada. Ainda assim, mesmo
com toda a compreensão sobre o assunto, que desânimo.
Lê nos
jornais que o metrô está longe de sair do papel e suspira. Tampouco se sente
seguro para andar de bicicleta em meio ao caos urbano. E não se atreve a dizer
em voz alta (é politicamente incorreto), mas até os pedestres estão abusando da
soberania que possuem.
Atiram-se
na frente dos carros, longe das faixas, com a empáfia de donos da lei, como se
não houvesse leis para eles também.Você já não suporta dar e ouvir tanta opinião,
e se choca com os desaforos anônimos que inundam as redes sociais.
Quanto
mais se enaltece o bom humor, mais aumenta o número de pobres de espírito ,
pessoas com uma nuvem negra sobre a cabeça, inquisidores a apontar falhas, criticar,
debochar. Todos se julgam aptos a dar lições quase não há mais humildade em
aprender. Você sabe que não é melhor do que ninguém, porém gostaria de ser
melhor doq eu você esmo, mas como?
São
tantos avanços tecnológicos, atualizações de vocabulário, acontecimentos,
modismos, tendências, como absorver? O dia de ontem torna-se obsoleto a cada
nascer do sol, e essa renovação constante não lhe excita, ao contrário, dá preguiça.
Você queria mesmo era se refugiar numa casa de campo ao melhor estilo Zé Rodrix,
com seus amigos, seus discos, seus livros e nada mais.
Mas
você não faz o tipo ermitão a quem bastaria uma hora para sobreviver. Você gosta
de ir ao cinema, viajar, conversar, ainda tem curiosidade sobre o mundo. Só que
curiosidade moderada não é suficiente. Não basta ter um interesse médio. É preciso
acompanhar tudo. Já nem tento. Será assim mesmo que a velhice anuncia que está chegando?
Preferia
pensar que é a sabedoria batendo à porta. Não precisar de tanta gente em volta (“Não
sofrer de solidão, e sim de multidão” – Nietzsche), não se cobrar modernidade não
se envergonhar de usar ferramentas antigas. Mas nada disso é sábio, dizem os
outros. É desistência. Talvez você se sinta como eu. Prestes a ser expulsa da
própria vida.
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