quinta-feira, 19 de abril de 2012



19 de abril de 2012 | N° 17044
CLAUDIA TAJES


O país contra o doce de leite

Voltando de um trabalho em Buenos Aires, olhei para os vidros de doce de leite no free shop, eles olharam para mim e comprei um, unzinho só. Guardei a modesta sacola e não pensei mais no assunto até que, no desembarque do Salgado Filho, a moça do raio X perguntou: “Isto é um doce de leite?”. Notei que acabava de ser apanhada em flagrante delito, só não entendi qual. Tráfico internacional de dulce de leche?

O vidro foi então analisado com o rigor que a situação pedia. O Fiscal: “A senhora não sabe que é proibida a entrada de produtos de origem animal no país?”.

Não, quer dizer, sim. Aquele formulário que a gente preenche no avião, o que indaga se na nossa bagagem existem munições, armamentos pesados e materiais radioativos, menciona produtos de origem animal e também plantas, frutas, verduras, farinhas.

Burrice minha, mas nunca me ocorreu que um doce de leite argentino, totalmente lacrado, precisasse de certificação sanitária (ou fitossanitária, como me foi informado) para ser espalhado no pão em território nacional.

Com gentileza, mas sempre firme, o Fiscal Federal Agropecuário apreendeu o meu doce de leite e o destruiu com um golpe certeiro. Não é a mesma coisa, mas me lembrou a história contada pela senhora que trabalha aqui em casa, a dona Unilda.

Disposta a assistir aos desfiles de carnaval, ela economizou para o ingresso e tomou o rumo do Porto Seco com uma garrafa térmica de café e alguns sanduíches. A cada revista pela qual passava, o café era despejado para averiguação e os sanduíches, apalpados. Quando enfim chegou na arquibancada, a térmica da dona Unilda estava quase vazia e parecia que o lanche tinha sido atropelado. Uma senhora de 70 anos e seu farnel, eis aí uma combinação suspeita.

Concluindo, o Fiscal, com muita educação, me orientou a declarar que estou portando um doce de leite, na próxima vez. Não haverá próxima vez, a minha cara de tacho garante. E, se houver, será no supermercado da esquina. Deixei o aeroporto com o registro da apreensão e uma certeza: não se entra no Brasil com pescados, embutidos, laticínios, carnes, animais, insetos, pragas e afins. Mas o mico está liberadíssimo.

Essa confusão toda e os meus dois produtos argentinos preferidos já se encontram em Porto Alegre: Miralles e Bertoglio. Doce de leite para quê?

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