A bela, a fera e o progresso numa fábula
contemporânea
O Leão
e a Joia, do poeta, dramaturgo e escritor nigeriano Wole Soyinka, nascido em 1934,
Prêmio Nobel de Literatura de 1986, é, antes de tudo, uma fábula contemporânea
que tem como cenário a pequena aldeia de Ilujinle, num país iorubá.
A
publicação da peça teatral marca a estreia do autor no mercado editorial
brasileiro. Na aldeia, a bela Sidi é disputada por um professor primário,
Lakunle, treinado nos saberes ocidentais, disposto a erradicar a tradição e
europeizar o ambiente e por Baroka, “o Leão”, sexagenário chefe da aldeia,
disposto a casar com a jovem e manter o poder, a tradição e a linhagem de leão
da mata. Sidi é a Joia do Vilarejo, sem dúvida um forte triângulo amoroso à africana,
como verá o leitor.
A
obra tem sido considerada uma pequena obra-prima do autor que foi o primeiro
africano a receber o Nobel de Literatura e que até hoje escreve e critica
duramente as ditaduras, a corrupção e a opressão que existem em cada canto de
sua idolatrada África.
Com
fino humor e muita irreverência, Soyinca, através das situações de conflito,
mostra o jovem professor modernizador tentando convencer a amada a esquecer a
tradição e o velho Baroka, de 62 anos, jogando com sua sabedoria ancestral para
seduzir Sidi.
Baroka
chega ao ponto de fazer circular uma falsa notícia sobre sua impotência sexual
para depois convencer a pretendida de que o casamento com ela era uma prova
para toda a aldeia da virilidade do velho leão e da possibilidade de manter o
estado das coisas.
A peça
pode ser lida também como uma busca de alternativas para as sociedades
africanas no pós-colonialismo, mostrando que a mera substituição de brancos por
negros nas mesmas estruturas de poder colonial fracassou.
A
simples manutenção das culturas tradicionais não responde mais às necessidades
e desafios da África contemporânea. A escolha de Sidi pode ser a saída para a
incorporação de novos personagens sociais (a mulher, por exemplo), em processos
de modernização que respeitem as identidades tradicionais.
Talvez
aí resida o chamado “renascimento africano”. Valores africanos, costumes
europeus, desejo de liberdade de mulheres, progresso, conservadorismo, apego às
tradições e muita coisa mais estão nos vivos diálogos da obra. O texto tem apresentação
do dr. Ubiratan Castro de Araújo, um dos maiores especialistas em cultura afro-brasileira,
professor da UFBA e diretor da Fundação Pedro Calmon. Geração Editorial, tradução
de William Lagos, 152 páginas, R$ 24,90, www.geracaoeditorial.com.br.
Jaime
Cimenti
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