sábado, 14 de abril de 2012



15 de abril de 2012 | N° 17040
VERISSIMO


Contículos 3

Oavião sacudiu, e o homem pegou a mão da mulher sentada ao seu lado.

– Desculpe – disse o homem. – É que eu...

– O senhor tem medo de voar, é isso?

– É. Na verdade, medo não. Pavor.

O homem continuava apertando a mão da mulher. Ela disse:

– Acalme-se. Foi só uma sacudida.

O avião deu outra sacudida. O homem gemeu e pediu:

– Você pode me abraçar?

A mulher relutou, mas concordou. Envolveu o homem nos seus braços.

– Obrigado – disse o homem. – Era o que a mamãe fazia, quando eu era garoto e nós viajávamos de avião.

– Pronto, pronto – disse a mulher. – Está tudo bem.

Outra sacudida.

– Eu posso agarrar o seu seio? – pediu o homem.

– Meu seio?!

– Para me lembrar da mamãe. Vai me dar mais segurança.

– Pode – disse a mulher, abrindo a blusa para o homem segurar seu seio.

Nisso ouviu-se a voz da aeromoça avisando que era para apertarem os cintos de segurança porque o avião estava entrando numa zona de turbulência.

– Ai meu Deus – disse o homem. E para a mulher: – Comece a tirar a roupa!

Metade

Fazia tempo que o Gordo Mário não aparecia no bar. A turma estranhava. Que fim levara o Gordo Mário? Na certa, gordo daquele jeito, tivera um enfarte. O que seria uma pena. O Gordo Mário era um grande companheiro. Divertido. Sempre alegre. Sempre cheio de histórias. Não podia ter morrido. Era tão popular e tinha tantos amigos que, se tivesse morrido, todos já saberiam.

E o Gordo Mário realmente não tinha tido um enfarte e morrido. Tanto não tinha que um dia reapareceu. Na verdade, quem apareceu foi meio Gordo Mário. Um Gordo Mário magro, quase irreconhecível. Contou que tinha feito uma dieta espetacular e perdido metade do seu peso. Aliás, contou isto várias vezes, para quem quisesse e não quisesse ouvir. O Gordo Mário não tinha outro assunto, só a dieta que o fizera perder a metade do que era.

O consenso no bar foi o seguinte: o Gordo Mário tinha perdido a metade errada.

Escolhas

Albert Camus disse que a única questão filosófica é o suicídio. Surpreende que – tendo sido goleiro na sua juventude argelina – Camus não tenha feito um adendo: as únicas questões filosóficas são o suicídio e o pênalti. Este pensamento não passou pela cabeça nem do Doninho, que ia bater o pênalti naquele final de jogo empatado, nem do Marcão, goleiro do adversário.

Mas os dois estavam vivendo um momento camusiano: dois homens diante da magnitude de uma escolha decisiva, de uma escolha de vida ou morte que só depende deles, que não está nem escrita nem preordenada nas estrelas. Doninho: finjo que vou chutar na direita mas chuto na esquerda, ou chuto na direita mesmo porque ele vai adivinhar que eu vou fazer mesmo o que fingi que ia fazer, para enganá-lo.

A escolha é só minha, Deus não tem nada a ver com isto. Marcão: escolho um lado e me atiro. Se acertar acertei, se não acertar... De qualquer maneira, a escolha é só minha. Doninho corre para a bola e chuta, e o conto termina aqui. Se a bola entra ou não, não é mais uma questão filosófica.

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