24
de abril de 2012 | N° 17049
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Cachê de Feira
Não
sei como estará o caso na hora em que o prezado leitor lê estas linhas. Ontem
estava assim: a feira do livro de Bento Gonçalves havia contratado Gabriel o
Pensador para estar por lá, como patrono, palestrante e showman, por 170 mil
reais. Tendo sido divulgada a quantia, houve reação, em jornais daqui e em
blogues de toda parte, incluindo alguns prestigiosos no centro do país.
O
caso dá o que pensar, a começar pelo abismo remuneratório entre o convidado
carioca, talentoso cancionista e escritor de bons méritos, e os escritores em
geral, talentosos ou pernas-de-pau, que vão a feiras e eventos de divulgação de
leitura (e de seus livros, claro) por muito menos. O cachê comum será algo
entre 0,2 e 1% do que o Gabriel vai ganhar. Sendo essa desproporção um escândalo,
é claro que a grita se justifica.
Pessoalmente,
quando sou convidado a eventos, trato de considerar algumas variáveis, quando
me perguntam pelo cachê: é entidade pobre ou rica? Tem dinheiro público ou
privado? E o principal: meus livros vão ser lidos ou é para eu ir lá e fazer
apenas uma brilhaturazinha?
Como
escritor, gostaria imensamente de ser reconhecido e pago pelo que escrevo, e
quase só por isso – em regra, escritor é um tímido, pode acreditar; ele escreve
para dizer o que tem a dizer; se ele tivesse o dom da oratória faria outras
coisas.
Colegas
que escrevem em espanhol ou em inglês, francês ou alemão, vivem do que escrevem
porque há leitores em massa e as bibliotecas compram seus livros em abundância,
o que inclui até gente com talento escasso (o meu nível). No Brasil, é muito
difícil que o livro seja realmente o centro do ganha-pão dos escritores.
Daí que
em eventos e em derivativos os escritores procurem ganhos fortes. Nunca se fez,
que eu saiba, um estudo que mostre a proporção entre o que escritores
brasileiros ganham da venda do livro e o que ganham em palestras, depoimentos,
presenças, textos para jornal e revista, etc. Seria bom de ver isso para
entender a dinâmica da renda do setor, que tem crescido atualmente, com a bem-vinda
ascensão social dos de baixo, para quem devemos proporcionar o melhor.
No
abismo de Bento muitas outras desproporções se dramatizam, tantas que nem cabem
aqui: aquela que medeia entre o mundo do livro e o do showbiz; aquela entre a
cidade do interior e a capital, e entre as províncias e o centro; aquela entre
os bem-sucedidos e os ressentidos; entre os talentos que encontram voz, forma,
eco, e os que não encontram nada disso; entre os talentosos e os esforçados;
entre os muitíssimo vaidosos e os muito vaidosos (as duas únicas categorias de
artistas que há). Etcétera.
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