sábado, 28 de abril de 2012



28 de abril de 2012 | N° 17053

NILSON SOUZA

Preleção

    Outro dia, um amigo que trabalha com esportes me pediu um texto motivador para mexer com os brios de sua equipe antes de um jogo importante. Perguntei-lhe se queria alguma coisa suave ou forte, pois é preciso conhecer a personalidade de cada indivíduo para saber quais as palavras que melhor lhe tocarão na alma.

    No terreno esportivo, o repertório vai da oração ao grito de guerra, embora às vezes os dois gêneros se confundam. Jogadores de futebol, por exemplo, costumam rezar o pai-nosso aos gritos, terminando a oração quase num acesso de fúria. Em matéria de estímulo à guerra, há coisa ainda mais assustadora.

Dia desses, vi um jogo do campeonato argentino em que o preparador físico de uma das equipes esperava seus jogadores na saída do túnel e desferia-lhes um forte tapa no rosto quando estavam para entrar em campo. Os caras entravam querendo matar o adversário.

    Mas as palavras também podem provocar um efeito estimulante, principalmente quando acompanhadas do componente afetivo. Tem técnico que manda gravar mensagens dos familiares dos atletas e apresenta o vídeo no vestiário. Só que isso virou um recurso tão rotineiro, que já nem faz mais o efeito desejado.

    Meu amigo queria um texto épico, do tipo vitória ou morte. Sugeri-lhe, então, adaptar às suas necessidades o célebre discurso feito pelo explorador espanhol Hernán Cortés a seus soldados antes da grande batalha de conquista do império asteca. Lá vai:

    “Soldados de Espanha! Antes de tudo há de lutar! As caravelas, mandei-as afundar, para não terdes qualquer veleidade de voltar. Há que lutar com as armas que tendes à mão. E se vo-las romperem em violento combate, então há que brigar a socos e pontapés. E se vos quebrarem os braços e as pernas, não olvidei os dentes.

E se, havendo feito isso, a morte chegar, mesmo assim não tereis dado a última medida de sua devoção, não! É preciso que o mau cheiro de vossos cadáveres empeste o ar e torne impossível a respiração dos inimigos de Espanha. Avante, por Deus e por Santiago!”.

    O gesto de Cortés, que mandou mesmo queimar os navios para não dar chance a seus homens de sequer pensar em recuo, não só deu o resultado esperado como também virou senha para expressar o chamado beco sem saída. Quando alguém “queima os navios”, não deixa margem para negociações. Vai para o tudo ou nada.

    Meu amigo leu a minha sugestão, pensou bem e, sensatamente, resolveu usar seu próprio vocabulário na preleção. No tempo de Cortés, não tinha cartão vermelho.

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