A felicidade interna do rei do Butão
Se o
seu país tem o 141º IDH, crie um índice para disfarçar. Culpe a economia pelos
males do mundo, como se desse para buscar bem-estar na pobreza
Não
há nada mais falsamente reconfortante do que o autoengano. Se a vida está ruim,
por que melhorá-la se é possível adotar novos padrões para demonstrar que, na
verdade, o péssimo é bom?
Já não
é de hoje que se promove o tal indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB),
segundo o qual a medição do progresso de uma comunidade ou nação não deve ficar
restrita ao desenvolvimento econômico, mas deve avaliar o bem-estar psicológico,
a saúde, o uso equilibrado do tempo, a vitalidade comunitária, educação,
cultura, resiliência ecológica, governança e padrão de vida.
Acredito
que pouca gente seja contra a sociedade perseguir individualmente tais
objetivos, mas há dois perigosos elementos do discurso pelo FIB: (1) a
prosperidade econômica é uma imposição maléfica que deve ser "sanada"
e (2) é necessário promover uma mudança social em prol do bem-estar coletivo em
parceria, também, com o governo.
Isso
reforça o mito de que a economia é um corpo estranho e danoso para a sociedade.
E que o mercado é formado por um grupo pequeno de grandes empresas que
controlam tudo e a todos, e não por cada de um de nós, do pipoqueiro ao
consumidor até os grandes empresários. O mercado somos nós.
O
segundo ponto talvez seja mais grave por reforçar uma certa agenda política que
faz uso da palavra coringa "social" com o objetivo de legitimar suas
finalidades.
Como,
no Brasil, movimento social é algo que está (ou quer estar) intimamente ligado
ao governo, de preferência financiado pelo nosso dinheiro, temo que seus
defensores virem mais um braço do partido no poder a defender o modelo
estatista, que está na origem do horror contra o mercado e a iniciativa privada.
Talvez
soe bonito acusar o crescimento econômico pelos males do mundo e pelos
problemas que inviabilizam ou destroem aqueles nove pontos descritos pelo
indicador.
Mas
pergunte a cada uma das pessoas que vivem nas diversas escalas da pobreza para
saber se elas conseguem perseguir tais objetivos sem, antes, prosperar
economicamente.
Atribuir
ao Estado responsabilidades que são individuais faz com que a elite política no
poder acredite realmente estar cumprindo uma nobre missão em nome de bem-comum,
do coletivo, nem que para isso seja preciso esmagar a sociedade. Não se engane:
a tutela estatal é uma espada de Dâmocles.
Se
levarmos em conta o que acontece quando o governo desenvolve novas funções a
partir da expropriação das riquezas que produzimos (no Brasil, trabalhamos de
janeiro a maio só para pagar tributos), certamente a Felicidade Interna Bruta
terá que alterar seu nome para outro bem menos alegre.
Por
uma dessas ironias da história, a FIB foi criada em 1972 por Jigme Singya
Wangchuck, rei daquele pequeno país chamado Butão.
Essa
nação aparece no 141º lugar (de 187) do Índice de Desenvolvimento Humano 2011
da ONU, em 142º lugar (de 183 países) na lista do Doing Business de 2012, que
mede a facilidade de fazer negócios, e em 111º lugar (de 179 países) na lista
do Índice de Liberdade Econômica 2012 da Heritage Foundation (qualificado como
país não livre, como o Brasil).
Certamente,
a Felicidade Interna Bruta do rei de Butão era mais elevada do que a dos seus súditos.
BRUNO
GARSCHAGEN, 36, mestre em ciência política e relações internacionais pela
Universidade Católica de Portugal, é especialista do Instituto Millenium
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