quinta-feira, 19 de abril de 2012



19 de abril de 2012 | N° 17044
PAULO SANT’ANA


A fila do funeral

Não pode haver notícia pior para o sistema de saúde brasileiro do que esta estampada esses dias em Zero Hora: detentores de cartões de seguro-saúde privado estão entrando em filas demoradas de dias e meses para obterem atendimento.

Ou seja, quem tem seguro-saúde tem de entrar em fila para consulta e cirurgia, que demoram tanto quanto o atendimento pelo SUS.

Quer dizer, beiramos a falência do sistema de saúde nacional.

Junto com essa notícia veio outra, macabra: a fila de consultas para ortopedista no SUS tem gente que se inscreveu em 2006 e ainda não foi atendida.

Então noticiaram que 30% dos inscritos para consultas no SUS não comparecem quando são chamados.

Eu já acho inacreditável que o SUS tenha o desplante de chamar para consulta com ortopedista quem tenha se inscrito em 2006.

Os 30% que não comparecem devem ter morrido à espera de atendimento. Ou, então, não compareceram porque perderam pedaços de suas pernas, de seus braços, de seus dedos, de suas costelas, durante a espera de angustiantes anos por atendimento.

Onde é que foram parar esses indigitados 30%? Seria o caso de investigar onde foram parar os coitados.

Por isso, também, é que é dramático o atendimento nas emergências dos hospitais gratuitos.

Quem fica numa fila longeva dessas vai acabar, logicamente, numa emergência, mais cedo ou mais tarde.

A emergência faz concorrência com a fila de consultas. E as cirurgias fazem concorrência também com a fila de consultas.

São milhares os casos de inscritos em filas de consultas que, diante da demora de anos para serem atendidos, não precisam mais de consultas, precisam é de cirurgias. Por isso é que não comparecem, seis anos anos após terem-se inscrito, às consultas.

Eu fico a imaginar o calvário das pessoas que se inscrevem numa fila de consultas que demoram anos para serem atendidas e que, de repente, passam a necessitar de cirurgia. Essas pessoas, então, obedecem ao ritual terrível do SUS: inscrevem-se noutra fila, a das cirurgias.

Ora, uma pessoa que se inscreve numa fila de consulta e não é atendida, depois por lógico se inscreve numa fila de cirurgia e também não é atendida, esta pessoa se inscreve automaticamente numa fila para funeral.

Ou seja, começa na fila da consulta e termina na fila do enterro. Sem atendimento.

É demais.

Mas a resposta para a fila de consultas, para a fila de cirurgia e para a fila do funeral é dada pelas autoridades com a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil.

Nossos doentes morrem nas filas inúmeras, mas em compensação assistirão à Copa do Mundo e à Olimpíada. Pela televisão, porque quem não tem dinheiro para custear consulta e cirurgia certamente não tem dinheiro para comprar ingressos para a Copa e para a Olimpíada.

Que paisinho sem sorte este Brasil!

Por trás desta Copa do Mundo e desta Olimpíada haverá por certo centenas de milhares de cadáveres brasileiros.

Requiescat in pace.

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