27
de abril de 2012 | N° 17052
DAVID
COIMBRA
Eu, ditador
Aquela
cidade americana, Cincinnati, ganhou esse nome para homenagear, quem diria?, um
ditador. O homem viveu cinco séculos antes da nossa era e se chamava Cincinatus.
A ditadura era uma instituição prevista nas leis romanas. Em caso de crise, um
cidadão podia ser escolhido como ditador e devia ocupar o cargo por seis meses.
Depois de resolvido o problema, tinha de devolver o poder.
Esse
Cincinatus era agricultor. Quando estourou uma guerra dura contra duas tribos bárbaras
mais aguerridas, os senadores foram procurá-lo em suas terras. Encontraram-no
na lida, com o arado nas mãos. Cincinatus largou tudo, assumiu o poder,
derrotou os inimigos em menos de um mês e voltou para o trabalho no campo. Mais
tarde, houve nova crise. Cincinatus foi chamado, largou tudo, solucionou a
questão e voltou mais uma vez para suas terras.
Bem.
Digamos que eu me tornasse ditador do Estado para resolver o problema da Educação
em seis meses. Minhas duas primeiras medidas seriam as seguintes, pela ordem:
1. Estatizar
TODAS as escolas do Rio Grande do Sul.
2. Privatizar
TODAS as escolas do Rio Grande do Sul.
No
momento em que reprivatizasse as escolas, seus antigos donos poderiam continuar
com elas, com uma condição: desde que assumissem alguma escola que antes era pública.
Assim, os donos do Anchieta, do Farroupilha e do João XXIII, por exemplo,
teriam de assumir escolinhas na Vila Cruzeiro, no Morro da Cruz e no interior
profundo do Sarandi.
Eu
seria um ditador muito generoso. Não cobraria um único real por nenhuma escola:
entregá-las-ia de graça para que os empresários se locupletassem com elas
alegremente.
Em
contrapartida, eles teriam de assumir alguns poucos compromissos:
1. Oferecer
bolsas de estudo integrais para todos os alunos que o Estado identificasse como
carentes.
2. Seguir
um currículo mínimo estabelecido pelo Estado.
3. Pagar
aos professores um salário mínimo de R$ 5 mil.
Note:
o salário MÍNIMO seria de R$ 5 mil, mas minha intenção, como ditador, seria
pagar muito mais aos professores. Queria que os professores fossem os melhores
entre os melhores, o Ivan Izquierdo dando aula de ciências, o Peninha dando
aula de história do Brasil, o Verissimo ensinando a escrever.
Claro,
os professores teriam de abrir mão da estabilidade no emprego e de outros
direitos de funcionário público. Teriam de se submeter às tais leis do mercado,
com a vigilância do Estado regulador.
Imagine:
os professores ganhariam bem e todos os alunos teriam boa escola. Mas só funcionaria
se eu fosse um ditador, nem que temporário, como foi Cincinatus. Se fosse um
governante eleito, teria de enfrentar os frêmitos da oposição, os protestos do
Cpers e a eventual hostilidade de promotores e juízes.
Parte
da comunidade seria contra, mesmo que a maioria fosse a favor. Tudo seria
conflituado e turvo, eu seria insultado e processado, teria de responder a
perguntas agressivas de repórteres e ofensivas de eleitores, teria de
participar de reuniões contraproducentes e debates desgastantes.
Ao
fim do meu mandato, estaria estafado, sentindo-me 20 anos mais velho, frustrado
e derrotado. Não conseguiria fazer nada, qualquer avanço seria mínimo, qualquer
compreensão seria pontuada por ressalvas.
A
democracia é um bem em si, isso nós aprendemos no Ocidente, neste século 21. Mas
a democracia nem sempre é o melhor método para se fazer o que é melhor.
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