quinta-feira, 26 de abril de 2012



26 de abril de 2012 | N° 17051

ARTIGOS - Luiz Antônio Araujo*

Vida longa à Feira de Bento

Peço licença para meter minha colher na polêmica sobre a contratação de Gabriel o Pensador pela prefeitura de Bento Gonçalves. E, antes que alguém me peça credenciais para a discussão, aqui vão elas: organizei minha primeira feira do livro, em Santa Maria, há 27 anos (aliás, no sábado, a Feira volta à Praça Saldanha Marinho, tendo Pedro Brum Santos como patrono). Publiquei meu primeiro (e único) livro há dois e comprei o mais recente há 15 dias.

Alguns municípios fizeram a gentileza de me convidar para sessões de autógrafos e palestras, dentro e fora de feiras do livro, com e sem cachê, e não os enumero para evitar o risco de esquecer algum. Tenho algum conhecimento dos, digamos, distintos ângulos do problema e, se isso não é suficiente para ter razão, tampouco é motivo para ficar longe do debate.

O prefeito de Bento Gonçalves, Roberto Lunelli (PT), cometeu o erro de misturar feira do livro com campanha para incluir o município no mapa da Copa de 2014. Queria um garoto-propaganda e pendurou-o na conta da promoção à leitura.

Produziu um contrato pelo qual a prefeitura se comprometia a adquirir 2 mil livros fora de catálogo pelo valor unitário de R$ 35 – num país em que o preço médio do livro, já elevado em comparação a outros países, é de R$ 8 – e a custear um show orçado em um valor que permitiria levar à feira mais de um Prêmio Nobel de Literatura.

Que os orçamentos para a cultura são mirrados em todo o país é fato mais do que sabido. Isso é motivo para que se tenha mais, e não menos, transparência quando se trata de gastos e investimentos em cultura.

O menos relevante nesse episódio é discutir se escritores devem cobrar cachê ou um show de Gabriel o Pensador está à altura do valor acertado. Se autores pudessem viver dos direitos autorais de seus livros e da participação em eventos, não teriam outras ocupações, como ocorre com a maioria no Brasil e no Exterior.

O Pensador tem o direito de cobrar R$ 169,3 mil para ir a Bento ou alhures. O problema é que, se o desembolso for feito pelos cofres públicos em razão de um evento cultural também público, mais vale uma discussão generalizada – ou uma “briga de gaúchos”, como escreveu o Pensador no Facebook – do que um silêncio de descerebrados.

E, se chegar a algum lugar, é preciso estabelecer parâmetros. Como bem lembrou um funcionário público acostumado a auditar contas de prefeitos: ninguém questiona o gênio de Salvador Dalí, mas se o valor de um de seus quadros servisse de base para contratá-lo como professor ou bailarino, algo estaria errado.

É lamentável e injusto que a Feira do Livro de Bento Gonçalves tenha sido envolvida nesse episódio. Feiras do livro são eventos relativamente simples e baratos se comparados a outros eventos culturais.

Servem para democratizar o acesso à imensa produção editorial brasileira, abrindo ao público um leque imenso de opções de leitura, oferecendo na mesma banca a Bíblia e Freud, Machado e Paulo Coelho, Cíntia Moscovich e Tostão. Feiras do livro são uma brincadeira de papel, uma metáfora da web 2.0, uma unidade ambulatorial de inteligência. Feiras do livro fazem bem à saúde. Vida longa à Feira do Livro de Bento.

*Jornalista

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