Entrelacos

Jaime cimenti

Fome, vontade de comer, gula etc

Comer e dormir sempre foram a segunda e a terceira coisa mais importantes da vida, não necessariamente nessa ordem. Comer é o primeiro e o último prazer dos humanos, como disse o lendário advogado, político e chef Brillat-Savarin, autor do clássico Fisiologia do Gosto e pai da dieta baixa em carboidratos.

Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és, disse ele. Savarin viveu de 1755 a 1826 e naquele tempo acho que não havia os gastrochatos e nem esses tomates e ovos transformados em espumas e outras químicas extravagantes da alta culinária.

O negócio da comida era mais simples e, possivelmente, mais gostoso. Hoje em dia está difícil, complexo, complicado este lance de comer. Boa parte da população mundial está com sobrepeso ou obesa, segundo a tabela terrível aquela, do IMC, que deve ter sido inventada por algum magrelo. Acho que o Brillat-Savarin tem razão quando diz que ninguém deve se empanturrar ou se embebedar, mas as coisas não são tão simples.

Tem gente que acha que comida tem que ser simples, básica, tipo arroz, feijão, bife, salada, ovo, comida de verdade, da mãe, da avó. Outros sofisticam até um sanduíche de mortadela. Uns mesclam culinárias e técnicas diferentes e fazem a tal fusion cuisine, tipo crepe de cupuaçu, doce de pinhão, por aí. Interessante.

Óleo de coco, óleo de peixe, farinha de osso de tubarão, comprimidos, montes de coisas para emagrecer ou engordar, para melhorar a memória, para melhorar tudo. Bons tempos que o cara saía da caverna e depois comia javali com batatas e talvez alfafa. Aliás, javali hoje é chique, carne exótica. Ah, fome e vontade de comer agora, segundo alguns teóricos, é mesma coisa para valer e a pessoa deve comer, inclusive, quando não tem fome.

Uns dizem que devemos conhecer o nosso cérebro para saber melhor o que comer, que tem umas ligações químicas, elétricas, por aí. Outros dizem que temos de mastigar a comida umas duzentas vezes, tipo velhinhos do restaurante macrobiótico, que aí a gente manda mensagens para a cabeça dizendo que já comeu o suficiente e tal.

Sei lá, ninguém tem nada contra frutas, legumes e fibras, pelo menos. Já é alguma coisa. Ao menos bananas, maçãs, pêssegos, alface, tomates e cebolas estão liberados. Sim, tem os agrotóxicos, mas deixa para lá. Melhor não ler demais, se preocupar demais, não exagerar.

A mesa deve continuar a ser um dos territórios livres e criativos dos humanos. Mas não coma, não beba e não faça nada demais, deixe um pouco para os outros.  Ou não, mas, em todo caso, buon appetito, grazie, altrettanto.

Jaime Cimenti