07
de junho de 2012 | N° 17093
L. F.
VERISSIMO
O cara
Paris – Duas coisas difíceis de encontrar
na França: ar condicionado e adoçante. São raros os cinemas e locais públicos
com ar refrigerado e raros os produtos dietéticos. Quer dizer: não é um lugar
para diabéticos e gordos calorentos.
A
coisa melhorou um pouco depois daquele verão terrível em que milhares de
velhinhos morreram de calor, e hoje, quando você pede um adoçante, ou o que
eles chamam de “falso açúcar”, para o cafezinho num restaurante, já não precisa
repetir quatro vezes sua estranha vontade, o garçom entende na segunda. De
qualquer maneira, refrigeração e açúcar falso, decididamente, ainda não pegaram
por aqui.
Os humoristas franceses não estão dando
folga ao François Hollande. Não lhe deram nem o período de tolerância
tradicionalmente concedido a novos presidentes. Se o Sarkozy tinha cara de
escroque, o Hollande tem a cara de um professor de matemática que errou de
profissão. Sua ingenuidade pode estar só na cara – afinal, não foi por falta de
matreirice e saber político que ele chegou aonde está – mas é a cara do cara
que provoca as maiores gozações.
No outro dia, apareceu uma foto em que ele
saía rapidamente de uma reunião e consultava seu relógio, para dar uma ideia de
dinamismo no cargo. Só que o mostrador do relógio estava virado para a câmera e
o presidente consultava seu próprio pulso. Comentário de um comediante da TV,
diante da foto: “E pensar que esse homem pode apertar um botão e disparar todo
o arsenal nuclear francês...”. Mas parece haver um consenso de que, depois dos anos
Sarkozy, um professor de matemática desgarrado no governo é uma boa mudança.
Hollande é, simplificando um pouco, a
primeira consequência “de esquerda” da crise europeia. É improvável que os
conservadores mantenham o poder nas próximas eleições inglesas, mas o primeiro
ministro Cameron não é obrigado a pôr seu programa de austeridade à prova
eleitoral num futuro próximo e a reação da “esquerda” inglesa pode demorar.
Na
Espanha e em Portugal, a crise favoreceu a direita e a Itália pós-Berlusconi ainda
não sabe para que lado vai. Mas na Grécia, onde a crise é mais evidente, surgiu
uma liderança francamente de esquerda, sem aspas, que tem boas chances de
vencer as próximas eleições.
O diabo é isto: a crise do euro e da união
europeia não tem uma saída ideologicamente definível, tanto pode desandar para
a direita quanto para a esquerda, e não faltam lideranças de direita com
discursos nacionalistas e às vezes xenófobos esperando seu chamado.
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