HÉLIO
SCHWARTSMAN
O anel de Giges
SÃO PAULO - O melhor argumento para abolir as votações
secretas no Congresso é o de que, sob a proteção do anonimato, parlamentares dão
vezo a seus piores instintos corporativistas e a interesses inconfessáveis. Pelo
histórico das votações sigilosas, é difícil discordar. Mas será que a
impunidade anda mesmo de braços dados com a corrupção?
Platão achava que sim. Na "República", o filósofo
relata a história de Giges, um pastor da Lídia que encontrou um anel capaz de
torná-lo invisível. Assim, foi ao palácio real, manteve relações sexuais com a
rainha, matou o rei e se apoderou do trono.
O anel, diz Platão, significa a capacidade de cometer
injustiças com a certeza de não ser punido. O filósofo concede que poucos
resistiriam à tentação de, com tal poder, manter-se justos.
Uma versão do anel de Giges circulou em plena Nova York
alguns anos atrás. Entre 1977 e 2002, devido a algumas excentricidades legais,
o pessoal diplomático das 146 missões na ONU tinha imunidade contra multas por
estacionamento irregular.
Ray Fisman e Edward Miguel, autores de "Economic
Gangsters", tabularam os autos de infração lavrados mas não pagos,
chegando a conclusões interessantes. Ao contrário do que esperava Platão,
muitos resistiram. A missão kuaitiana, é verdade, pegou pesado, com 246,2 violações
por diplomata por ano. Em contrapartida, funcionários de 21 representações como
Suécia, Noruega e Canadá não infringiram a lei ou tiveram a decência de pagar a
multa.
A conclusão é que a impunidade é um poderoso motor para a
quebra de regras, mas nem todos os portadores do anel de Giges delinquem. A
cultura também parece influir, pois é a melhor explicação para o fato de
diplomatas de países tidos como honestos de fato o serem, ao menos no que diz
respeito a estacionar em NY.
De volta ao Brasil, como nossos parlamentares não são
exatamente suecos, convém livrá-los de toda tentação, sumindo com o anel de
Giges.
helio@uol.com.br
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