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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
01 de dezembro de 2008
N° 15806 - LF VERISSIMO
Müller e Anaïs
Estou me sentindo culpado. Nunca usei o trema. Desde que aprendi a escrever – sem piadas, por favor – ,ignorei o trema. Quando comecei a escrever, por assim dizer, em público, continuei a ignorá-lo.
Os revisores, se quisessem, que acrescentassem os tremas onde cabiam. Por vontade própria, nunca botei olhos de cobra em cima de nenhum “u”.
Nem mesmo quando o computador, com sua conhecida aversão à informalidade gramatical, sublinhava a palavra em vermelho para me avisar que estava faltando o trema, burro! Se dependesse de mim, o trema não existiria.
Mas com a nova reforma ortográfica, o trema vai desaparecer. E eu fiquei com remorso. Talvez tenha sido injusto com ele. O trema, afinal, tinha uma história. Tinha uma razão para existir, mesmo modesta. Tinha uma função, mesmo dispensável. E eu o desdenhara sem dó, coitadinho. Como me penitenciar?
Esta pode ser a última oportunidade que terei para usar o trema e compensar todas as vezes que o omiti por pura implicância. A reforma já está sendo implantada, os pontinhos marcham, dois a dois, para o esquecimento, tenho pouco tempo para me reabilitar. Mas como?
Quase todas as matérias que li sobre o fim do trema citavam que ele só continuará sendo usado em nomes estrangeiros como Müller e Anaïs. Müller e Anaïs! Uma história para Müller e Anaïs, rápido.
Uma história com seqüência, conseqüência, eloqüência...
Talvez uma história policial: a dupla Müller e Anaïs atrás de delinqüentes.
Ou uma história de excessos eqüestres levando ao uso freqüente de ungüentos.
Ou uma simples cena doméstica. Müller e Anaïs na cozinha do seu apartamento, eqüidistantes de um pingüim em cima da geladeira. Müller acaba de chegar da rua.
– Anaïs, esse pingüim...
– Quêqui tem?
– Eu não agüento esse pingüim, Anaïs.
– Ele está aí há cinqüenta anos e só agora você nota?
– Cinqüenta anos, Anaïs?
– Está bem, cinco. Um qüinqüênio.
– Um qüinqüênio?
– Um qüinqüênio. E vai ficar aí outro qüinqüênio.
– Não se usa mais pingüim em geladeira, Anaïs. É uma coisa do passado. Como a crase.
– Pois eu gosto e está acabado. Trouxe a lingüiça?
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