sexta-feira, 12 de dezembro de 2008



12 de dezembro de 2008
N° 15817 - DAVID COIMBRA


A música da RBS

Nesses dezembros dourados toca aquela música de fim de ano da RBS. Gosto dela. Melodia envolvente, letra inteligente, com uma frase filosófica embutida: “Quem sabe a vida é da vida a razão?” Pensamento insinuante. Mas falso. Se o sentido de viver é apenas viver, então a vida não tem sentido. Porque viver qualquer ser vive.

Uma alface vive, o vírus da AIDS vive, um consultor de empresas paulista vive. A questão talvez seja o que se faz com a vida. O que as pessoas fazem com a vida?

Bem. A vida inteira o que as pessoas fazem, basicamente, é trabalhar e se divertir. Uma coisa ou outra. Sempre.

Para quê?

Aí está. Qualquer pessoa de inteligência mediana, se refletir com seriedade sobre essa pergunta, chegará à conclusão de que a resposta é: nada. Não existe razão lógica para o homem trabalhar ou se divertir. Ou, melhor: existe uma razão. Uma única. A seguinte:

O homem trabalha e se diverte para não pensar na vida. Para esquecer de si mesmo. A música, os esportes, o cinema, a literatura têm igual função. O ser humano passa a vida toda tentando esquecer da vida. Da sua vida. E cada vez mais, quanto mais avança a civilização rumo a lugar algum, mais o homem se desespera para fugir de si mesmo.

Agora, no século 21, a grande evolução é que uma pessoa pode passar o dia inteiro sem pensar. Se ela não está diante da TV, está teclando no computador, ou falando ao telefone, ou ouvindo rádio. O homem não pode caminhar na rua sem seus fones de ouvido, nem andar de carro sem que o rádio esteja ligado. Não pode ficar sozinho com seus próprios pensamentos, porque, se ficar, contemplará a si mesmo e o que verá vai horrorizá-lo.

Ele verá o tédio.

Ele perceberá que sua existência, além de não ter razão, resume-se a uma sucessão de dias que não são nada além de repetitivos. Maçantes. Esse é o grande terror dos homens e é isso que os faz trabalhar e se divertir e se apaixonar: o medo de descobrir que sua vida não tem sentido.

A não ser...A não ser que o homem compreenda que pode haver um sentido. Um só. Os outros.

As outras pessoas. Não estou falando de fazer o bem aos outros. Não. Fazer o bem quase sempre é inútil até para a pessoa supostamente beneficiada. Nem estou falando de solidariedade, esse sentimento tão valorizado pelo brasileiro.

Até porque, muitas vezes, a solidariedade é vazia. O solidário vai lá e dá uma camisa que não usa mais ou despende uma dezena de reais que nunca lhe fará falta. Claro, existe o solidário que faz da solidariedade o motivo da sua existência, mas essa também é uma fuga.

Estou falando é de conviver com os outros. Conviver em harmonia e com alegria e, sobretudo, com tolerância. Viver sem se levar muito a sério. Sem levar nada muito a sério. Porque nada é realmente sério. Porque tudo o que se faz na verdade não tem sentido. É só uma tentativa de esquecimento.

O outro.

As notícias horripilantes do jornal de todo dia, a arrogância do chefe, a mesquinhez do colega, a violência, quanto de dor se pouparia se as pessoas soubessem que só o que importa de verdade é conviver com o outro.

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