terça-feira, 16 de dezembro de 2008



De havaianas e cúpulas
CLÓVIS ROSSI

COSTA DO SAUÍPE - Suspeito que os jornalistas e as jornalistas que estamos na adorável Bahia para cobrir as multicúpulas da América Latina e do Caribe deveríamos usar havaianas.

Talvez nos deixassem ao menos chegar perto dos governantes reunidos na luxuosa Costa do Sauípe, mesmo depois de um jornalista (sic) iraquiano ter atirado dois sapatos na direção do presidente George Walker Bush.

Por falar nisso, o que me surpreendeu no episódio não foi que o rapaz tivesse atirado um sapato, mas que tivesse tempo de sobra para atirar o segundo sapato, ante a catatonia da segurança.

Essa gente inferniza a vida dos jornalistas com mil requisitos. Pede que nos credenciemos com muita antecedência, o que pressupõe que façam uma checagem suficiente para não liberar o crachá para quem usa sapatos suspeitos.

Mesmo assim, isolam os governantes, como aqui na Bahia. Eles ficam em um hotel, claro que o mais luxuoso, ao qual só podemos chegar se eles assim o decidirem e devidamente escoltados. E ainda passamos por verificação do equipamento que levamos, mesmo que seja uma modesto caderno de anotações (sapatos passam sempre).

Quando o entrevistado é o presidente dos Estados Unidos, seja qual for, somos tratados como militantes potenciais da Al Qaeda. Inverte-se a lógica: quando comecei nesta profissão, os jornalistas procurávamos as autoridades. Agora, as autoridades é que nos procuram, mas só quando querem.

Não é que eu goste de falar com elas. Às vezes, é de fato interessante. Mas o que me leva a procurá-las é o dever que elas têm de prestar contas ao público do que estão fazendo nessas cúpulas, homiziadas em "bunkers" inacessíveis.

Somos apenas a ponte entre elas e o público. Não fogem, pois, de nossos sapatos ou havaianas, mas do público.

crossi@uol.com.br

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