quinta-feira, 11 de dezembro de 2008



11 de dezembro de 2008
N° 15816 - PAULO SANT’ANA


Floreando o galo

Tantas crianças e menininhas invadindo aqui a redação no dia de ontem, todas querendo tirar fotos comigo, queridinhos, sei lá por que gostam de mim, o que será que vêem em mim?

Era uma pequena multidão de anjinhos, todos sorridentes, foram se chegando na redação, visitando as instalações, mas, em meio à azáfama, afetavam às mães que queriam tirar uma foto com o Paulo Sant’Ana.

Uma menina de dois anos, chamada Fernanda, apontou para meu peito: “Eu vejo tu na televisão” (as crianças adoravelmente não declinam os pronomes oblíquos).

São todas crianças alegres, ainda não lhes assustou nenhum fantasma da vida real, para elas a existência é um encantamento, exatamente porque não sabem o que é futuro, nem lhes pesa qualquer remorso do passado.

O garoto Juan, de seis anos, abriu um sorriso e me perguntou: “Posso te dar um abraço?”.

E eu me envolvo no mistério do carinho de todos.

Não sei o que vêem em mim, mas, se por qualquer forma sou derivativo da infância delas, me satisfaço.

Depois de escrever uma coluna como aquela de ontem, deveriam meus superiores me conceder 90 dias de férias.

Nada igual ao que fiz ontem, quando me referi às hienas de jazigo, farei igual nos próximos 90 dias.

É aquele momento em que o colunista acerta na veia, depois de tanto tentar durante muito tempo.

Antes da publicação, quando a coluna ainda posava de larva no meu cérebro, chamei a atenção do David Coimbra e do Moisés Mendes para o que meus neurônios estavam elaborando.

Há colunas que vão fazer sucesso e a gente nem percebe que isso acontecerá. Mas há colunas, como a de ontem, quando defendi a privacidade da memória do médico Marco Antonio Becker, em que a gente pressente que acertará em cheio no alvo.

Depois que se pressente, é só ajustar as letrinhas.

O mais importante numa coluna é a idéia. Sem ela, ficamos horas tontos, sem iniciativa, sem nexo causal, penetramos num vazio de náusea.

Quando se alcança a idéia, quando surge a inspiração, o restante é só tarefa de artesanato.

A idéia é o grande clarão transbordante de luz para o processo de criação.

Imagino que os grandes quadros dos grandes pintores só começam a ser esboçados quando já sobreveio a idéia ao artista.

Já capturada a idéia, é mais fácil pincelar.

A idéia de que a vítima estava sendo esquartejada pelos boatos e de que se verificava então um segundo assassinato foi uma bela sacada.

Uma vez escrevi aqui, evidentemente que não a respeito de mim, que gênio é aquele que primeiro descobre o óbvio.

Investigar a vítima num caso de assassinato é um procedimento óbvio e indeclinável.

O que eu humildemente acho perigoso é que se enseje concluir que a vítima de assassinato afinal merecia o fim que teve.

Mas eu estou apenas driblando o leitor porque é impossível a qualquer colunista fazer duas colunas brilhantes consecutivas.

Nesta de hoje estou só floreando o galo.

Se a coluna de ontem terminou como um banquete oferecido ao leitor, a de hoje talvez consiga somente se constituir em um licor.

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