domingo, 14 de dezembro de 2008


DANUZA LEÃO

Falando de comidas

Vamos reconhecer: quem vê pela primeira vez uma feijoada se assusta com sua aparência; é preciso explicar

UMA FEIJOADA bem feita, com todos os pertences, como se dizia antigamente, é uma coisa muito boa. Maravilhosa, eu diria. Mas é preciso ter uma certa cultura gastronômica para apreciar devidamente esse prato divino.

Vamos reconhecer: quem vê pela primeira vez uma feijoada se assusta com sua aparência. As pessoas gostam de saber o que estão comendo, e quem olha para aquele festival de negrumes não pode supor do que se trata.

Por isso, quando um estrangeiro amigo nos visita, é uma temeridade convidá-lo para uma feijoada -o que, aliás, fazemos sempre. É preciso, antes, explicar, pacientemente, do que se trata, e também lhe dar uma outra opção. O feijão é simples; mas as carnes?
Uma feijoada de fé tem que ter paio, linguiça, carne-seca -gorda e magra-, língua defumada, orelha, rabinho, toucinho defumado, lombo, costela, carne de boi, bacon e chispe -que é o pé do porco.

Além disso, como acompanhamento, tem o arroz, a farofa, a couve, a laranja e o torresmo, a oitava maravilha do mundo, que é o couro do porco frito; às vezes ele vem com um fiozinho de cabelo, uma prova da autenticidade do produto. Tudo regado com uma boa pimenta malagueta, é claro.

Para que esse manjar dos deuses seja servido condignamente, as carnes têm que ser servidas separadas, e só quem conhece e aprecia reconhece, num primeiro olhar, todas elas. Se não sabe, é preciso que alguém explique, e se for em outra língua, a situação se complica.

Agora, que está chegando o verão e com ele os estrangeiros, é o momento apropriado das feijoadas. Num calor de 40C, tudo começa com as batidas; depois de umas três, e com o samba como fundo musical, é servida a feijoada, e é preciso um guia que fale muito bem a língua do turista para traduzir, item por item, o que contém cada travessa.

Com os franceses não tem problema, pois eles comem de tudo, mas com os gringos mesmo -americanos e alemães- a coisa já fica mais perigosa. E a pimenta, como explicar que é fundamental?

É preciso levá-los também a um restaurante baiano, fazê-los provar um acarajé e depois passar para um sarapatel com bastante pimenta-de-cheiro, e mais um vatapá, um siri mole, ou uma simples moqueca com bastante dendê. Talvez ele passe mal depois, mas tudo tem seu preço.

Outro dia fui a um restaurante chique e moderno no Rio, e quatro pratos foram servidos. Detalhe: a louça, branca, era gigantesca.

A primeira iguaria foi uma espécie de bolinho -delicioso, por sinal- recheado de foie gras. Um só. A segunda, três dedinhos de sopa com uns legumes cortados na vertical, com -me disseram- uma fatia de atum tão fina, mas tão fina, que eu não a percebi. A terceira, pasmem, era um camarão.

Um camarão sozinho, sem acompanhamento de nada, reinando absoluto naquele prato imenso; de dar pena de sua solidão.

E por fim, dois pedacinhos de carneiro deliciosos, que meu gato comeria em duas mordidas.

É triste a gente sentir que não consegue acompanhar os tempos modernos. Eu até tento, e em muitas coisas consigo, mas na gastronomia é inútil, já desisti.

Por isso, quando combino de jantar com alguém, já no telefone pergunto "e onde vamos?" Se for num desses modernos, estou fora. Afinal, respeito é bom e eu gosto.

Um camarão sozinho num prato: fala sério. Mas os restaurateurs, além de estarem fazendo muita gente de boba, devem estar bilionários, pois esse tipo de comida é caro.
Aliás, caríssimo.

danuza.leao@uol.com.br

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