terça-feira, 16 de dezembro de 2008



CHEGA DE MACHADO

Ufa! Ainda bem que 2008 está acabando. Só assim ficaremos livres de Machado de Assis. Chega. Basta. Ninguém lê Machado de Assis.

Ninguém lê coisa alguma. Salvo Paulo Coelho e mais dois ou três de igual calibre. Exceto estudantes, levados ao cadafalso por seus professores cheios de boas intenções, ninguém lê Machado de Assis. Viva a hipocrisia brasileira. Alguns 'críticos' o fazem.

Anseiam por um clássico nacional. Vibram quando um estrangeiro de ocasião – Woody Allen ou qualquer outro – diz que leu Machado de Assis, por recomendação de um amigo, e adorou. Precisam de uma legitimação pelo avesso. É balela essa história de que Machado de Assis não é conhecido mundialmente por causa da língua portuguesa.

Qualquer europeu de cultura mediana conhece Fernando Pessoa, mas nunca ouviu falar de Machado de Assis. A literatura russa está aí para provar que língua não é obstáculo. Basta encontrar um tradutor. E compradores.

O ano Machado de Assis terminou com a minissérie da Globo. 'Capitu' pode ser definida com uma palavra: insuportável. Chega de Machado de Assis. Desafio alguém a ler 'Helena' e gostar. O romantismo de Machado de Assis era de uma pieguice estratosférica.

Nunca esquecerei o final de Iaiá Garcia: 'No primeiro aniversário da morte de Luiz Garcia, Iaiá foi com o marido ao cemitério a fim de depositar na sepultura do pai uma coroa de saudades. Outra coroa havia sido ali posta, com uma fita em que Iaiá beijou com ardor a singela dedicatória, como beijaria a madrasta se ela lhe aparecesse naquele instante.

Era a sincera piedade da viúva. Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões'. Uau! Fiquei marcado pela pompa oca de expressões bregas como 'coroa de saudades', 'singela dedicatória', 'piedade da viúva' e principalmente 'naufrágio das ilusões'. Ironia? Nada disso. Expressões da época? Breguice mesmo. Intemporal.

Nunca mais fui o mesmo depois dessas leituras de segundo grau. Não me recuperei. Sofri essa influência deletéria. Tornei-me brega para sempre. Já pensei em publicar um romance intitulado 'Naufrágio das Ilusões'. Machado de Assis ficou bom quando percebeu o quanto era ruim.

Virou o jogo. Mesmo assim, por mais que tenha feito, à exceção de 'Dom Casmurro' e alguns contos, o restante não passa no teste da leitura espontânea. Até partes de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' e 'Quincas Borba' empacam na peneira do gosto atual.

Abandonem esses livros em bancos do Parcão e vejam se a galera largará tudo para acompanhar a história até o fim. Culpa da incultura atual? Certamente. Literatura é entretenimento. Ou pega o leitor ou não pega. O resto é conversa. Sejamos iconoclastas. Quando eu disse a um professor da USP que Umberto Eco não conhecia Machado de Assis, nosso nacionalista reagiu briosamente: 'Maldade com Machado'.

Coitado. Eu gosto de Machado de Assis. É o que temos de melhor. Mas chega. Basta. Se quiserem me linchar, perspectiva que me parece legítima, posso citar fragmentos das crônicas de Machado de Assis. Se for necessário, atacarei com a sua poesia. Não me provoquem.

Antecipo duas estrofes para esfriar os ânimos mais belicosos: 'Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros./ Porque amigos são herdeiros da real sagacidade./ Ter amigos é a melhor cumplicidade!/ Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho./ Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!'.

juremir@correiodopovo.com.br

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