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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
MOACYR SCLIAR
A difícil arte de adivinhar o futuro
Esse foi um erro que o sr. cometeu. Vamos ver agora se o sr. acerta a sua previsão. Diga: o que vai lhe acontecer agora?
Há tantos fatores imprevisíveis que é difícil adivinhar o futuro. Folha Online
ERAM OITO DA NOITE e, depois de ter atendido mais de 20 pessoas, o adivinho, cansado, preparava-se para ir para casa.
Quando, porém, abriu a porta da sala, viu-se diante de um desconhecido, um homem alto, grande, forte que ali estava, imóvel no corredor do velho prédio. Por um instante ficaram os dois parados, olhando-se. Finalmente o homem disse: - Vim para uma consulta. O sr. pode me atender?
A primeira reação foi dizer que estava de saída; que o homem voltasse no dia seguinte. Mas era tão imperioso o tom do estranho -não estava pedindo, estava mandando- que mudou de idéia: sim, poderia atendê-lo. Convidou-o a entrar.
Passaram pela pequena sala de espera e entraram naquilo que o adivinho chamava de "recinto mágico": uma sala de razoável tamanho, guarnecida de pesadas cortinas de veludo vermelho desbotado. Uma mesa, várias cadeiras e, no centro da mesa, a bola de cristal que herdara do tio, famoso adivinho, e que ali estava, sobre a sua base de madeira de lei.
Convidou o homem a sentar-se, sentou também, ambos iluminados pela luz mortiça de uma única e fraca lâmpada que, no entanto, fazia com que a bola de cristal emitisse uma espécie de mágica claridade.
Normalmente o visitante deveria fazer alguma pergunta, sobre como estaria a saúde ou o casamento ou o seu dinheiro no ano que entrava. Mas não foi isso o que o homem fez.
Começou a falar, mas não sobre si mesmo, e sim sobre o adivinho. - O sr. é muito conhecido. Seus clientes dizem que raramente erra uma previsão. É verdade?
Perplexo e inquieto, o adivinho disse que aquilo o envaidecia muito, que fazia o que podia, usando a misteriosa vocação que se manifestara na infância e recorrendo também àquela bola de cristal que era uma verdadeira fonte de inspiração, graças à qual sempre acertava as previsões. Mas o homem o interrompeu:
- Eu sei de um caso em que o sr. errou. Um empresário que o procurou há muitos anos. O sr. disse que se sairia muito bem no ano que se iniciava, que abriria várias filiais e que todas seriam bem-sucedidas.
O empresário abriu várias filiais por esse interior afora. Todas foram mal, todas. Ele faliu e depois se matou. É uma história que conheço muito bem. Esse homem era o meu pai. Uma pausa e ele continuou:
- Esse foi um erro que o sr. cometeu. Vamos ver agora se o sr. acerta a sua previsão. Diga: o que vai lhe acontecer agora?
O adivinho estava em pânico. Claramente o visitante estava ali para se vingar. Mas vingar-se como? O que faria? Pegou o lenço e enxugou o suor que lhe corria pelo rosto. E aí viu o revólver que o homem lhe apontava, sorridente:
- O sr. tinha previsto isso? Que seria assaltado? E assaltado pelo filho do homem a quem o sr. há muito tempo enganou?
Sem uma palavra, o adivinho entregou-lhe o dinheiro, tudo o que recebera no dia, o que não era pouco. O homem levantou-se. Antes de ir, olhou para a bola de cristal. "Vai arrebentá-la com um tiro", pensou o adivinho. Mas o homem sorriu:
- Não, não vou dar um tiro na sua bola de cristal, fique tranqüilo. Mesmo porque o revólver é de brinquedo. Para assaltar alguém que brinca com o futuro é a arma ideal, não lhe parece? Boa noite.
Abriu a porta e saiu. O adivinho suspirou. Estava na hora de atualizar suas técnicas. E talvez de trocar a bola de cristal.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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