domingo, 21 de dezembro de 2008



21 de dezembro de 2008
N° 15826 - DAVID COIMBRA


Depois da dura prova

O Grêmio venceu o primeiro Gre-Nal por 10 a 0, todo mundo sabe disso. O que todo mundo não sabe é que, de alguma forma, por causa dessa goleada é que o Inter existe e pulsa até hoje, 100 anos depois. Porque foi uma afronta. Um desplante. O Inter já havia sido fundado como uma resposta à recusa do Grêmio de aceitar forasteiros como sócios. Aí, no primeiro jogo entre os dois times, no primeiro jogo da história do Inter, o Grêmio vai lá e faz 10 a 0.

Ora, era mais ou menos evidente que o Grêmio venceria o jogo. Antes da partida, o capitão e centroavante do Grêmio, Booth, visitou os colorados pioneiros durante um treino deles na Rua Arlindo. Depois do que viu, previu:

– Eles recém iniciam e nós temos seis anos. Vamos passá-los por uma dura prova, mas se não desanimarem vão para frente, pois nunca vi tanto entusiasmo e tantos planos nesse assunto de futebol.

Naquele tempo, o capitão acumulava o cargo de técnico do time. Pelo jeito, portanto, Booth entendia da coisa. E, de fato, tudo o que predisse se confirmou. Ele próprio se encarregou de fazer valer sua profecia: marcou cinco gols no jogo.

Verdade que alguns colorados ficaram desanimados. O próprio presidente do clube, Leopoldo Seferin, meio que se afastou do futebol. Outros, porém, usaram a humilhação como combustível – o que, lembra?, fora profetizado por Booth.

Destes renitentes, dois foram personagens fundamentais na história do Inter, do Gre-Nal e, por conseqüência, do futebol gaúcho. Preste atenção nesses nomes: Carlos Kluwe e Antenor Lemos. O Inter não existiria sem essa dupla. Antenor Lemos até jogou algumas partidas no time titular, mas não era exatamente um craque. Tornou-se mais importante como dirigente.

Com sua voz de bumbo e tuba, ia para a Rua da Praia a fim de provocar os gremistas e açular os colorados. Nas reuniões entre dirigentes de clubes fazia de tudo, inclusive uma ou outra burla, para beneficiar o Inter e solapar os interesses do Grêmio. Graças à energia de Antenor Lemos, o Inter cresceu nos seus primeiros anos, apesar dos fracassos nos enfrentamentos com o futuro arquiinimigo.

Carlos Kluwe era outra história. Kluwe era bom de bola. Tinha metro e noventa de altura, jogava de center half, posição mais ou menos correspondente à do volante moderno, com a diferença de que, naquele esquema, o center half granjeava mais importância. Porque os times jogavam no 2-3-5: dois zagueiros, três médios e nada menos do que cinco atacantes.

Uma alegria. Então, ao center half cabia a distribuição do jogo. Ele precisava saber jogar. Kluwe sabia. Mesmo assim, o Inter não conseguia vencer o Grêmio. Depois do Gre-Nal inaugural, o time de Kluwe continuou perdendo todas. Kluwe, irritado, jurou:

– Enquanto não ganhar deste tal de Grêmio, não posso largar esse negócio de futebol.

Tarefa complicada. Kluwe deixou de jogar e não conseguiu realizá-la. A primeira vitória colorada aconteceu só em 1915, e Kluwe não estava em campo.

Parecia que ele não cumpriria a sua promessa, até que, em 1919, quatro anos depois de ele ter pendurado as chuteiras, o centroavante colorado Bedionda se machucou na véspera de um Gre-Nal. Kluwe não era centroavante, mas os dirigentes do Inter imploraram para que ele jogasse. Tanto pediram que ele aceitou. Não apenas jogou bem como marcou um dos gols da vitória de 2 a 0.

Estava cumprida a promessa. Um ciclo se fechava. Agora, o Grêmio, antes tão altivo, tão orgulhoso, quase que indiferente às provocações do novo clube, agora o Grêmio não podia mais ignorá-lo. Havia um inimigo à espreita. Um inimigo que o acompanharia sem dar trégua século afora, que faria parte do seu destino, que seria p
arte da sua própria história.

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