sábado, 13 de dezembro de 2008



14 de dezembro de 2008
N° 15819 - DAVID COIMBRA


Uma alegre mistura de Alemanha e Brasil

Domingão de sol da amena primavera porto-alegrense. Seis dias depois do feriado da Independência e da histórica apresentação do EC Rio Grande, um grupo de amigos que trabalhava no comércio do centro da cidade rumou para uma chácara na Cascata.

Estavam empolgados com o novo esporte e queriam eles mesmos tentar jogar bola. Marcaram as goleiras com suas próprias roupas, arregaçaram as calças e realizaram o primeiro jogo de futebol de um clube porto-alegrense. Ou do que viria a ser um clube porto-alegrense. Era 13 de setembro de 1903, e o Grêmio seria fundado dois dias depois.

Fundar clubes era meio moda da época. Havia muito menos mobilidade social, naquele tempo. Os clubes serviam para que os “iguais” se reunissem, se divertissem juntos e, assim, permanecessem juntos, para continuar “iguais”.

Desde o fim do século, por exemplo, os alemães se encontravam no Leopoldina Juvenil e os negros no Floresta Aurora. Essas divisões foram acentuadas por dois acontecimentos: a abolição da escravatura e a proclamação da República. Uma e outra flexibilizaram as relações sociais. Com o fim do império, desmoronava a hierarquia da nobreza.

Ser marquês, conde ou duque não significava mais nenhum privilégio. Não significava mais nada. Qualquer meirinho ou guarda-livros tinha, perante à lei, os mesmos direitos que um visconde. E, com o fim da escravatura, os negros tornavam-se cidadãos como quaisquer outros, não precisando se recolher aos lugares reservados aos escravos.

Porque os negros podiam até conviver no mesmo ambiente que os brancos, mas não podiam misturar-se a eles. No século 19, por exemplo, os escravos não podiam caminhar nas calçadas, só no meio das ruas, correndo o risco de ser atropelados por cavalos e carroças. Com a abolição isso mudou. Com a abolição, ninguém poderia ser discriminado pela lei. A discriminação, portanto, teria de ser social.

Você conseguiu entender essa lógica que parece de viés? Como não havia mais divisão legal, a própria sociedade tratou de se dividir. Inclusive geograficamente: os negros foram para a Ilhota, onde hoje se ergue o Ginásio Tesourinha, ou para a chamada Colônia Africana, curiosamente um dos bairros mais nobres da cidade, hoje em dia: a Bela Vista.

Também se homiziaram na Azenha, o primeiro bairro de Porto Alegre, e, bem perto, na Santana. Os alemães se refugiaram nas lonjuras do Moinhos de Vento. Mais tarde, os judeus ocupariam o Bom Fim.

Bem mais tarde. Na sua origem, Porto Alegre era portuguesa – os 60 casais açorianos, aquela coisa. Depois chegaram os negros, embora não por vontade própria. Os alemães estabeleceram-se em São Leopoldo em 1824 e, de lá, espalharam-se por outras cidades do Estado, inclusive, e principalmente, Porto Alegre.

Essa onda migratória foi importante. O grande Sérgio da Costa Franco conta que um viajante norte-americano descreveu a Capital em 1880 como “uma alegre mistura de Alemanha e Brasil”. Por volta de 1900, mais de 20% dos 70 mil habitantes da cidade eram alemães. E os alemães é que tinham essa tendência associativa que depois contaminou as outras etnias.

É basicamente por causa dos alemães, portanto, que tantos clubes foram fundados em Porto Alegre entre os séculos 19 e 20. O Grêmio não era exatamente um clube de alemães. Entre seus 33 fundadores havia alemães, italianos, portugueses e brasileiros que os imigrantes denominavam de “pêlos-duros”. Alemão, alemão mesmo era o Fuss-Ball, clube fundado no mesmo dia que o Grêmio. E, como só existiam os dois na cidade, o jeito era um jogar contra o outro.

Jogaram 14 partidas até1909, o Grêmio sempre com seu uniforme tricolor, o Fuss-Ball de preto e branco. O Grêmio venceu nove e o Fuss-Ball três. Esse panorama mudaria em 1909, um ano agitado na Capital. A cidade estava crescendo, mais gente chegava de fora, mais clubes eram formados.

Em 1909, finalmente, o Grêmio teve dois novos adversários. O primeiro foi o velho Esporte Clube Rio Grande. O segundo? Ah, o segundo como que sairia da costela do próprio Grêmio. Você já sabe quem é. O Inter. Era a parte que faltava para se fazer um Gre-Nal.

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