sábado, 13 de dezembro de 2008



13 de dezembro de 2008
N° 15818 - PAULO SANT’ANA


Elogio distraído de Pelé

A discussão sobre se quem foi melhor, Pelé ou Maradona, volta mais ao noticiário do que as desordens e overdoses do ex-PM e ex-marido da atriz global Susana Vieira.

Não entendo como pode interessar ao noticiário a overdose do ex-marido de Susana Vieira. Quando era marido, ainda se justificava que fosse manchete dos jornais.

Mas, como ex-marido, é forçado.

Parece, no entanto, que a vida dos empregados, dos parentes, dos conhecidos dos artistas globais interessa muito à opinião pública. Tanto que existem revistas especializadas em publicar fofocas e escândalos que envolvam os artistas globais.

A mim interessa, no entanto, a comparação entre Pelé e Maradona. Nem sei como se pode comparar um com o outro, mas volta e meia ressurge o cotejo.

Se se retirasse do currículo de Pelé mil gols, ou seja, suprimisse-se da bagagem de Pelé um milhar de gols, os gols que restariam chegariam para superar em número os gols que Maradona fez em toda a sua carreira. Isso é por demais conclusivo.

Pelé fez mais de 1.300 gols, Maradona fez 300. Pelé foi três vezes campeão mundial, Maradona apenas uma.

Então não entendo como se atreve tanta gente a comparar Pelé com Maradona.

Mas comparam.

E no programa do Falcão, na Rádio Gaúcha, sábado passado, um jogador júnior perguntou a Pelé como ele encarava a comparação dele com Maradona.

Pelé respondeu rápido: “Não tem comparação, eu jogava com o pé direito, com o pé esquerdo e com a cabeça. Maradona só jogava com o pé esquerdo”.

Sem se aperceber, Pelé acabou por fazer o maior elogio que já vi alguém fazer a Maradona: pois só tendo o pé esquerdo como ferramenta de trabalho, sendo um anão, um baixinho desproporcionalmente desfavorecido entre os adversários em campo, ainda assim Maradona mostrou-se como um dos três maiores jogadores do mundo em todos os tempos, imaginem o tamanho de sua obra se ele jogasse com o pé direito e soubesse cabecear.

Pelé se traiu nessa. Pelé, Garrincha e Maradona foram para mim os maiores gênios do futebol.

Suplantaram Puskas, Cruyff, Di Stéfano, Platini, Beckenbauer. Garrincha, na Copa do Mundo de 1962, fez gol de cabeça, de falta, de pé esquerdo, fez misérias jogando pelo meio, quando provou que era um craque que transcendia as estripulias encantadoras e estonteantes da ponta-direita e tinha um talento indomável.

De Pelé, nem se fala, vi pelo cinema um jogo do Santos com o Benfica, em Lisboa, em que Pelé tabelava intencionalmente com as canelas dos adversários na corrida em rumo da área adversária.

Pelé fez sete ou oito gols em um jogo noturno do campeonato paulista e o Jornal da Tarde estampou no dia seguinte a manchete célebre: “Noite negra de Pelé”.

E Maradona fazia o que bem entendia com seu pé esquerdo, era tão delicioso vê-lo jogar quanto ver Pelé e Garrincha.

Eles três foram insuperáveis.

Os três tinham talento, isto é, dom trazido de berço, um carisma.

Mas Pelé foi o maior deles por ter-se preparado melhor para o futebol.

Não houve ninguém, entre os 12 e 15 anos de Maradona, que o aconselhasse a treinar chutes com o pé direito, como Dondinho, o pai de Pelé, fazia com seu filho na mesma idade, insistindo para que ele se esmerasse em chutar com o pé esquerdo.

E Garrincha nem teve quem pudesse orientá-lo em Pau Grande, ele nada sabia, tudo era fruto da sua espontaneidade e do improviso.

Mas como tinha talento igual ao do Garrincha e ao de Maradona, Pelé foi o maior de todos porque foi o único entre os três que aprimorou seus dotes e destrezas.

Ah, se Maradona chutasse com o pé direito e tivesse altura para cabecear! Seria com certeza o maior de todos.

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