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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
MOACYR SCLIAR
Um estranho Papai Noel
Sua fantasia era perfeita; a barba era autêntica, omo o era o ventre protuso, mas não falava com ninguém
Shoppings contratam 700 papais noéis neste fim de ano em todo o país. Levantamento da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings) aponta que 700 pessoas foram contratadas em shoppings de todo o país para trabalhar como Papai Noel neste fim de ano.
Alguns papais noéis, conforme a Alshop, podem ganhar até R$ 8.000 durante a temporada. Segundo a pesquisa, a maioria dos "bons velhinhos" é idosa -em geral, são aposentados que fazem cursos para ter um bom desempenho no papel. Aprendem técnicas de maquiagem, como vestir melhor a fantasia vermelha e falar com as crianças. Folha Online
CONTRATADOS OS PAPAIS NOÉIS passou-se à etapa seguinte, que era a do treinamento.
Muito necessário, segundo gerentes de lojas. Vários daqueles idosos senhores não tinham qualquer experiência no desempenho do papel de bom velhinho.
Não sabiam rir como o Papai Noel (Ho! Ho! Ho!), não sabiam o que fazer quando o garoto que os pais sentavam em seu colo começava a chorar assustado. Um deles admitiu que, nesse caso, mandaria o pestinha calar a boca.
O treinamento, então, tinha sido cuidadosamente preparado por técnicos especializados e incluía disciplinas do tipo "Como lidar com os pedidos em época de crise". As aulas seriam ministradas num centro de convenções distante da cidade -e em horário noturno, para não chamar a atenção do público.
Chegou a noite do curso e ali estavam todos os 700 papais noéis. A presença era obrigatória; o candidato que faltasse perderia automaticamente o cargo, a fantasia, a barba, o saco de presentes, tudo. Aliás, fantasiados eles já estavam, já que haveria aulas práticas e a fantasia era indispensável para tal.
Reunidos no saguão, os papais noéis conversavam animadamente. Vários deles se conheciam de outros Natais; mas havia alguns que aparentemente estavam ali pela primeira vez. E um desses chamava a atenção.
Para começar, de todos que estavam ali, ele era o que mais se parecia com o Papai Noel da lenda.
Sua fantasia era perfeita; a barba claramente era autêntica, como o era o ventre protuso -aquele não precisaria recorrer a um travesseiro para disfarçar a magreza. Mas, coisa esquisita, não falava com ninguém. Estava sentado num canto, calado, distante. Aquilo intrigou os outros papais noéis. Esse cara é um impostor, disse um deles, desconfiado.
Uma suposição não infundada; sabe-se que até assaltantes às vezes se disfarçam de bom-velhinho. Resolveram interrogá-lo. Postaram-se a seu redor, uns 30 senhores, e começaram a fazer perguntas: quem é você? De onde veio? Cabeça baixa, o estranho Papai Noel não respondia.
Alguém se lembrou de pedir os documentos dele. E aí, o inesperado: o homem levantou de súbito e saiu correndo pela porta dos fundos. No estacionamento, soltou um agudo assobio.
Apareceu, então, vindo ninguém sabia de onde, um trenó -um trenó de verdade- puxado por renas. O homem saltou para dentro e em segundos desapareceu. Ninguém soube explicar o que acontecera. Mas uma hipótese estava na cabeça de todos: com a crise mundial, até o Papai Noel é candidato a ganhar alguma grana.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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