sábado, 13 de dezembro de 2008



14 de dezembro de 2008
N° 15819 - PAULO SANT’ANA


O ofício da agonia

Comigo, pobre cronista provinciano, acontece sempre quase exatamente o mesmo: sofro durante horas a ausência de inspiração para iniciar a escrita de uma coluna, vago pelos corredores numa agonia perversa, tentando achar um assunto para abordá-lo, sinto vontade de desistir da profissão.

Passa-me pelo pensamento que isso não deveria ser assim e eu tinha de ter talento suficiente para sentar no computador e escrever sobre qualquer assunto.

Há colunas minhas que levo oito horas para começar a escrever. E só começo porque é soada a hora de baixar o jornal e já está quase esgotado o prazo para eu entregar a coluna pronta.

São raras as colunas que escrevo com grande prazer por já ter alinhavado sem dificuldade as idéias que nelas vou desenvolver.

Quase sempre as colunas que escrevo têm a dificuldade e as dores de um parto. E quando elas são feitas em cima do prazo, sob a pressão do relógio, eu sinto que as submeti a cesarianas.

Nestes 37 anos como jornalista, já escrevi cerca de 14 mil colunas. Nem sei como encontrei tanto assunto.

Uso alguns recursos para fugir aos meus suplícios à procura de assuntos. O mais comum deles é me debruçar sobre a análise de fatos do cotidiano, retirados do noticiário dos jornais.

Mas há dias em que não há fatos dignos de abordagem. Então me volto para dentro de mim, tentando achar um assunto introspectivo, algo que possa estar dominando as minhas preocupações ou os meus contentamentos.

Só que minha vida, nesses anos todos, tem sido tão igual, que quase sempre já abordei em outras colunas o que está se passando no meu terreno emocional.

Esbarro no noticiário infértil e nos sentimentos redundantes e repetitivos, que já adiantei outras vezes para meus leitores.

Verifica-se então dentro de mim a mais perversa de todas as agonias: bato contra o rochedo rude da ausência mais completa de inspiração. E sinto uma vontade imensa de desistir, de entregar-me ao ócio vergonhoso das armas ensarilhadas.

Mas aí sobrevém aquele ímpeto de quando acordo pela manhã, a vontade que sinto é de ficar deitado até a noite seguinte.

Mas o dever me chama, é preciso ir adiante, seria vexatório não tomar banho e não dirigir-me ao trabalho, como seria aviltante que um cronista desistisse de ser cronista por lhe faltarem assuntos interessantes.

Penso nos leitores. Eles compraram o jornal na expectativa de lerem alguma coisa proveitosa, não posso decepcioná-los.

Algumas vezes não os decepciono, mas, quando aquilo que escrevi não era o que os leitores esperavam, fico torcendo para que sejam compreensivos comigo, para que tenham a piedade de entender que quando se escreve todos os dias é impossível estar sempre munido de um desfastio alentador.

Quase sempre dá certo. E, quando não dá, hão que relevar. Consola-me a idéia de que o que interessa é a média, quando alguma coluna for insossa, estéril ou de pensamento errático, não passará de um acidente de percurso. No dia seguinte, se Deus quiser, vai melhorar.

Eu não trabalho numa fábrica de pregos, onde sempre há que se produzir pregos, todos os dias, em escala industrial.

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